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Definição: Anticoagulação é a estratégia terapêutica que visa inibir a formação de trombos pelo processo de coagulação sanguínea anormal. As medicações anticoagulantes têm seu uso bastante difundido na prática clínica, em diversas situações do cotidiano (ex.: prevenção e tratamento de trombose venosa profunda e embolia pulmonar, prevenção de formação/embolia de trombos intracardíacos em pacientes com arritmias).
Mecanismo de ação: Inibe indiretamente a trombina ao atuar como cofator da antitrombina, aumentando sua atividade.
Monitoramento: A resposta anticoagulante de uma dose padrão de HNF varia amplamente entre os pacientes, sendo necessário monitorar a resposta de cada paciente, utilizando-se o tempo de tromboplastina parcial ativada (PTTa).
As medições devem ser realizadas inicialmente a cada 6 horas, inclusive após qualquer alteração de dose. O valor geralmente aceito como alvo de manutenção da terapia com Heparina é de 1,5-2,5x a média do valor de controle ou do limite superior do intervalo normal de PTTa.
Monitorar contagem de plaquetas: Pelo risco de trombocitopenia induzida por Heparina, deve-se monitorar a contagem de plaquetas.
Resistência à Heparina: Corresponde a pacientes que necessitam de altas doses de Heparina para atingir um PTTa no intervalo terapêutico. As causas desse fenômeno incluem aumento da liberação de Heparina, aumento dos níveis de Heparina ligada a proteínas plasmáticas, elevações de fibrinogênio e dos níveis de fator VIII, uso de certos medicamentos e deficiência de antitrombina.
Preconiza-se que o ajuste da dosagem de Heparina em pacientes com resistência deva se basear nos níveis de anti-Xa, em vez do PTTa. Nos casos de deficiência de antitrombina, para a ação da Heparina, deve-se administrar concentrado de antitrombina e monitorar seu nível sérico.
Administração e eficácia:
A administração de Heparina intravenosa é repleta de dificuldades, e a prática clínica do uso de uma abordagem de titulação da dose de Heparina frequentemente resulta em terapia inadequada (60% dos pacientes tratados falham em alcançar um PTTa adequado em 24 horas). Mesmo com a criação de protocolos de administração, subdosagem, junto com a impossibilidade de obtenção de um PTTa adequado durante as 24 horas iniciais, é ainda um problema, especialmente nos pacientes obesos.
Mecanismo de ação: Assim como a HNF, as HBPMs inativam o fator Xa. No entanto, diferentemente daquelas, estas apresentam menor efeito sobre a trombina, por serem moléculas pequenas e incapazes de formar os complexos inativadores da trombina. As HBPMs (e o Fondaparinux), portanto, não causam alargamento do PTTa. São, no mínimo, tão eficazes quanto a HNF na prevenção e no tratamento do tromboembolismo venoso.
Sangramento e reversão com Protamina: Ao contrário de sua eficácia com HNF, a Protamina não neutraliza completamente a atividade anti-Xa das HBPMs. Ainda assim, pacientes que sofrem de hemorragia por superdosagem de HBPM podem receber Protamina (1 mg/100 unidades de atividade anti-Xa), o que pode reduzir parcialmente o sangramento clínico. Doses menores podem ser suficientes, caso a última dose de HBPM tenha sido administrada há 8 horas ou mais.
Certos pacientes podem necessitar de dosagem especial, como aqueles com extremos de peso. Não há consenso quanto ao fator de ajuste, tornando-se razoável o monitoramento por testes de atividade antifator Xa e ajuste da dose com base no resultado desses.
O alvo para cada HBPM depende do laboratório de referência, devendo ser conferido caso a caso.
A HBPM deve ser evitada em pacientes com doença renal e
clearance
de creatinina < 30 mL/minuto. No entanto, não há consenso sobre essa recomendação.
A Varfarina é o anticoagulante oral mais usado na prática clínica ambulatorial do Sistema Único de Saúde (SUS). Embora amplamente utilizado, seu manejo clínico não é dos mais simples, apresentando estreita janela terapêutica, grande variabilidade na relação dose-resposta e grande interação com outras drogas e alimentação.
Mecanismo de ação: O efeito anticoagulante da Varfarina é mediado pela inibição dos fatores de coagulação vitamina K dependentes (II, VII, IX e X). Esse efeito resulta na síntese de formas imunologicamente detectáveis, porém biologicamente inativas dessas proteínas de coagulação. Também inibe as proteínas C e S, que têm propriedades anticoagulantes.
Durante os primeiros dias de tratamento com Varfarina, ainda existe substrato para produção de fatores da coagulação. Por esse motivo, os anticoagulantes parenterais devem ser utilizados, em pacientes com doença trombótica aguda, até que seja alcançado um nível terapêutico de INR (2-3), por 2 dias consecutivos.
Apresentação: Comprimidos de 2,5 mg, 5 mg e 7,5 mg.
Dose inicial:
5 mg VO de 24/24 horas, em horário fixo diariamente.
| Valor de INR | Conduta |
| < 1,5 |
Aumentar em 20% a dose semanal
|
| 1,5-1,9 | Aumentar em 10% a dose semanal |
| 2,0-3,0 | Sem ajustes necessários |
| > 3,0 |
Suspender temporariamente até INR < 3,0 e reduzir a dose semanal em 10-20%
Se risco aumentado de sangramento: repor vitamina K 2,5 mg - 10 mg/dia Em caso de sangramento, consultar seção específica |
Interações genéticas: Vários polimorfismos genéticos, principalmente relacionados com o citocromo P450, alteram a biodisponibilidade da Varfarina.
Interações com tabagismo: Fumantes exigem doses 12% maiores que não fumantes, revelando o aumento da depuração da Varfarina em pacientes fumantes.
Pacientes de baixo risco de evento tromboembólico:
Suspender a Varfarina 5 dias antes e realizar o procedimento quando INR ≤ 1,5.
Pacientes de risco moderado a alto de evento tromboembólico:
Suspender a Varfarina 5 dias antes do procedimento e iniciar HNF em BIC ou HBPM, de modo a garantir a cobertura de anticoagulação pelo maior período possível. A HNF deve ser suspensa 6 horas antes do procedimento. A HBPM deve ser suspensa 12 horas antes do procedimento. Nos pacientes em uso de Varfarina, deve-se checar o INR antes do procedimento: o INR deve estar abaixo de 1,5 (ou 1,2 para procedimentos neurocirúrgicos).
Reinício da anticoagulação pós-procedimento:
O retorno da anticoagulação profilática ou terapêutica após o procedimento depende de diversos fatores, como tipo de cirurgia realizada, presença de intercorrências, estado clínico do paciente, entre outros. Essa decisão deve ser compartilhada entre o intensivista e o cirurgião.
Necessidade de cirurgia de emergência: Utilizar plasma fresco ou complexo protrombínico e encaminhar o paciente para o procedimento.
Nas últimas décadas, muito se tem investido em pesquisa visando ao desenvolvimento de novas drogas anticoagulantes que possibilitem administração oral, com menor perfil de efeitos adversos e interações medicamentosas, quando comparados aos cumarínicos.
Oclusão arterial aguda:
Dá-se preferência por anticoagulação plena com Heparina venosa, visto que essa promove uma terapia mais facilmente monitorada e com um antídoto conhecido. Uma dica prática eficaz é iniciar com um bólus de 5.000 unidades de HNF (1 mL) e, em seguida, iniciar
dripping
com solução de 245 mL de SF 0,9% + 5 mL de HNF (25.000 unidades), começando com infusão contínua a 10 mL/hora (1.000 unidades/hora) e, após 4-6 horas, dosar o PTTa.
Próteses valvares mecânicas: Inicia-se a anticoagulação com HNF ou HBPM e, após 24-48 horas, a Varfarina é introduzida. A anticoagulação parenteral é mantida até alcançar a faixa de INR-alvo. Os novos anticoagulantes orais ainda não têm liberação para esse uso.
Em que situações não devemos usar os novos anticoagulantes? Assista:
Autoria principal: Daniel Falcão Pereira da Fonseca (Cirurgia Vascular).
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