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Choque Hemorrágico

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Definição: Tipo de choque hipovolêmico em que a perda grave de sangue provoca a incapacidade do sistema cardiovascular em atender às demandas metabólicas do organismo, o que resulta em hipoperfusão tecidual e hipóxia celular.

  • O volume sanguíneo de um adulto representa 7% de seu peso corporal (cerca de 70 mL/kg), logo, um indivíduo de 70 kg tem, em média, uma quantidade total de 5 L de sangue;
  • O choque hemorrágico é um tipo particular de choque hipovolêmico em que a redução da oferta tecidual de oxigênio (DO 2 ) ocorre tanto pela diminuição do débito cardíaco (associada à redução da pré-carga e à volemia) quanto pela limitação do conteúdo arterial de oxigênio em virtude da restrição de hemoglobina (Hb);
  • Hemorragia é a principal causa de mortes evitáveis e de choque após traumas. Identificação e rápido controle do sangramento, associados à reanimação volêmica, são as etapas cruciais na avaliação e no tratamento do paciente politraumatizado.
    Perdas sanguíneas:
  • Meio externo: Trauma, hemorragia materna, sangramentos visíveis;
  • Meio interno: Hemotórax, hemoperitôneo, hemorragias digestiva e retroperitoneal, e fratura de ossos longos.

Classe I Classe II Classe III Classe IV
Perdas (mL) Até 750 750-1.500 1.500-2.000 > 2.000
Perdas (%) Até 15% 15-30% 30-40% > 40%
FC (bpm) < 100 > 100 > 120 > 140
Pressão Arterial Normal Normal Diminuída Diminuída
Pressão de Pulso Normal Diminuída Diminuída Diminuída
FR (irpm) 14-20 20-30 30-40 > 35
Diurese (mL/h) > 30 20-30 5-15 Desprezível
Nível de Consciência Ansiedade Agitação Confusão Letargia
  • Classe I: Perda sanguínea sem repercussões em sinais vitais (ex.: indivíduo que doou uma bolsa de sangue);
  • Classe II: Hemorragia não complicada em que reposição volêmica com cristaloide é indicada;
  • Classe III: Hemorragia complicada em que a reposição volêmica com cristaloide pode não ser suficiente, sendo necessária hemotransfusão;
  • Classe IV: Hemorragia complicada grave com risco de morte em minutos, se não forem realizadas medidas adequadas. Hemotransfusão sempre indicada.
    Anamnese (fatores a serem questionados):
  • Mecanismo do trauma e tratamento realizado no pré-hospitalar;
  • Cirurgia realizada;
  • Medicações de uso prévio (antiagregantes plaquetários e anticoagulantes);
  • Comorbidades relevantes (trombocitopenia, coagulopatias, cirrose, hemofilia).
    Clínica:
  • Hipotensão (pressão arterial sistólica [PAS] < 90 mmHg e/ou redução de 40 mmHg da PAS), pressão de pulso reduzida (< 20 mmHg), taquicardia, taquipneia, extremidades frias e pegajosas;
  • Hemorragia visível externa ou exteriorização de sangramento interno (gastrintestinal, uterina);
  • Fraturas de ossos longos;
  • Sinais de choque: rebaixamento do nível de consciência ou agitação; tempo de enchimento capilar lentificado (> 3 segundos), mottling (livedo) e oligúria.
    Exames laboratoriais:
  • Hb:
    • Anemia (Hb < 12 g/dL em mulheres e < 13 g/dL em homens), todavia pode não ocorrer ;
    • Na perda sanguínea aguda, há redução do sangue total, logo a Hb/o hematócrito (Ht) inicial permanecerá constante até que ocorra reposição volêmica ou redistribuição plasmática. V alores iniciais da Hb não devem ser utilizados para guiar o suporte transfusional, pois não refletem a perda sanguínea ocorrida.
  • Coagulograma:
    • Trombocitopenia (fator predisponente ou por consumo);
    • Fibrinogênio: Hipofibrinogenemia (< 150 mg/dL) é um fator comum e perpetuador do sangramento em pacientes no trauma. Hiperfibrinólise também é causa importante na coagulopatia induzida por trauma;
    • Tempo de tromboplastina parcialmente ativada (PTTa) e tempo de atividade da protrombina (INR);
    • Tromboelastometria pode ser solicitada, se disponível.
  • Cálcio:
    • Hipocalcemia: Após hemotransfusão (citrato).
  • Micro-hemodinâmica:
    • Acidose metabólica: pH < 7,35 e HCO 3 < 22 mmol/L;
    • Lactato: Pode estar aumentado em situação de hipoperfusão e/ou hiperlactatemia de estresse (valor de referência 2 mmol/L ou 18 mg/dL);
    • Saturação venosa central de oxigênio (SVcO 2 ): Reflete balanço entre oferta (DO 2 ) e consumo de oxigênio (valor de referência: > 70%).
    Exames de imagem:
  • Radiografias de tórax , pelve e ossos longos;
  • Focused Assessment with Sonography for Trauma ( FAST ) e E ( extended )-FAST;
  • Tomografia computadorizada (TC) e angiotomografia de corpo todo em traumas de alta energia cinética.
    Princípios:
  • Controle do foco de sangramento;
  • Restauração do volume intravascular efetivo (cristaloides e /ou hemocomponentes);
  • Corrigir acidose, hipotermia e coagulopatia;
  • Protocolo ABCDE do trauma ou tratamento da causa de base;
  • Coleta seriada de laboratório para avaliação de Hb, plaquetas, INR, fibrinogênio, cálcio iônico, gasometria arterial, lactato.
    Controle do sangramento (identificar foco hemorrágico):
  • Externo:
    • Compressão manual direta no foco da lesão;
    • Torniquete: Efetivo em sangramento significativo de extremidades, porém com risco de lesão isquêmica. Só deve ser aplicado se a compressão manual for ineficaz em controlar o sangramento.
  • Interno:
    • Identificação do foco hemorrágico por exames físico e de imagens (radiografia de tórax e ossos longos, FAST, lavado peritoneal diagnóstico e/ou TC);
    • Manejo conforme fonte de sangramento: dispositivos de estabilização pélvica, toracostomia (hemotórax), laparatomia exploradora, radiologia intervencionista, estabilização de ossos longos.
  • Reanimação volêmica e hemotransfusão:
    • Puncionar dois acessos venosos periféricos calibrosos. Na impossibilidade dessa punção, os acessos intraósseo e venoso central são alternativas;
    • Reposição de 1 L de solução cristaloide isotônica aquecida;
    • Se o paciente mantiver hipotensão após reposição com solução cristaloide, recomenda-se a transfusão sanguínea. A reanimação agressiva com cristaloide (> 1,5 L) foi associada a maior mortalidade;
    • Manter alvo de pressão arterial média (PAM) entre 60-65 mmHg (hipotensão permissiva);
    • Deve-se realizar a transfusão de concentrado de hemácias se choque hemorrágico grau III e/ou ausência de melhora dos parâmetros macro e micro-hemodinâmicos após expansão volêmica;
    • A transfusão de 1 concentrado de hemácias resulta em elevação média de 1 g/dL de Hb ou 3% de Ht;
    • Realizar protocolo de transfusão maciça (1:1:1) se Shock Index (SI) ≥ 1.4: Para cada 1 unidade de concentrado de hemácias, devem-se transfundir 1 unidade de plaquetas e 1 unidade de plasma fresco congelado de modo a evitar a trombocitopenia dilucional relacionada com a hemotransfusão isolada de concentrados de hemácias. O SI é calculado, dividindo-se a frequência cardíaca pela PAS, por meio da fórmula: SI = FC / PAS;
    • Alvo de Hb ou limiar transfusional de 7 g/dL.
  • Ácido tranexâmico (antifibrinolítico):
    • Recomendado para pacientes em até 3 horas do trauma, na dose de 1 g de Ácido tranexâmico, administrado em 10 minutos, seguido de 1 g em infusão contínua em 8 horas. Mesma posologia na hemorragia pós-parto (podendo ser repetido após 30 minutos se a hemorragia persistir). O Ácido tranexâmico não é recomendado de rotina nas hemorragias gastrintestinais (hemorragia digestiva alta [HDA] ou baixa [HDB]).
  • Reversão de anticoagulantes:
    • Varfarina: P lasma fresco congelado ou complexo protrombínico, associado à vitamina K;
    • Dabigatrana: Idarucizumabe (anticorpo específico) ou complexo protrombínico ou plasma fresco congelado ou hemodiálise, associado(a) a antifibrinolítico; [cms-watermark]
    • Edoxabana, Apixabana, Rivaroxabana : Andexanet alfa ou complexo protrombínico ou plasma fresco congelado, associado a antifibrinolítico; [cms-watermark]
    • Heparina não fracionada (HNF): Protamina (1 mg a cada 100 unidades de HNF ou 25-50 mg + rever PTTa para avaliar novas doses);
    • Enoxaparina: Utilizar Protamina (1 mg a cada 1 mg de Enoxaparina; ou ½ da dose se > 8 horas) ou Andexanet alfa.
    Correção de coagulopatia:
  • Alvo de INR alargado < 1,8: C onsiderar plasma fresco congelado (15-20 mL/kg) ou complexo protrombínico (2.000 unidades ou 25-50 unidades/kg), associado a 10 mg de vitamina K;
  • Alvo de plaquetas < 50.000 /mm 3 : Transfundir 1 unidade de plaquetas a cada 10 kg do paciente ou 1 aferése de plaquetas. No traumatismo cranioencefálico, objetiva-se um alvo de plaquetas > 100.000/mm 3 ;
  • Alvo de fibrinogênio < 150 mg/dL: Transfundir 1 unidade de crioprecipitado para cada 10 kg do paciente. Nas hemorragias pós-parto, objetiva-se o nível de fibrinogênio > 200 mg/dL;
  • Alvo de cálcio iônico: R eposição com objetivo de manter nível sérico entre 1,17-1,3 mmol/L.

Autoria principal: Yuri Albuquerque (Medicina Intensiva).

Revisão: Vinicius Zofoli (Medicina Intensiva).

    Equipe adjunta:
  • Rafael Arruda Alves (Emergencista com especialidade em Emergência Pediátrica e Medicina Intensiva).

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