'
O controle da dor é um dos pilares do cuidado ao paciente. No contexto da unidade de terapia intensiva (UTI), isso é especialmente relevante, uma vez que mais de 50% dos pacientes se queixam de dor, com intensidade moderada a forte, durante a internação. Os procedimentos considerados mais dolorosos são: colocação de cateter de monitorização de pressão arterial invasiva, drenagem de tórax, aspiração traqueal, ventilação mecânica e reposicionamento no leito.
A dor é definida como “uma experiência sensorial e/ou emocional desagradável associada a dano tecidual real ou potencial, ou descrita em termos de tal dano”. A dor deve ser considerada “qualquer coisa” que a pessoa que a vivencia diz que é, existindo “sempre que” a pessoa que a vivencia diz que existe. Embora a medida padrão de referência da dor seja o autorrelato do paciente, a incapacidade de se comunicar claramente não nega a experiência de dor do paciente ou a necessidade de um tratamento adequado da dor.
A sensação da dor é multidimensional e não puramente "física". Além disso, é uma experiência subjetiva e individual de cada paciente. Pode ser exacerbada por fatores como: ansiedade, depressão, falta de apoio social, sensação de perda do controle sobre o próprio corpo durante a hospitalização e dificuldade de comunicação.
A avaliação inadequada da dor pode ocasionar sub ou superdosagem de analgésicos, o que afeta o desfecho dos pacientes. O controle inadequado da dor está associado a maior tempo de internação, maior necessidade de sedativos e aumento da incidência de
delirium
. Assim, deve-se ativamente avaliar a presença de dor nos pacientes, assegurando um controle adequado desse sintoma. No entanto, alguns pacientes possuem dificuldade para comunicação, o que representa uma barreira para essa avaliação.
Figura 1:
Efeitos adversos com a Sub ou Sobredosagem de analgésicos.
Essa ferramenta ainda não é formalmente validada em estudos científicos e, também, não exime a equipe multiprofissional de examinar ou aplicar escalas comportamentais de dor no paciente.
No entanto, é um meio de empoderar a família e valorizar sua participação no cuidado, o que pode fortalecer o vínculo de confiança entre a equipe de saúde e a família.
O paciente internado comumente é monitorizado por meio de diversos parâmetros, por exemplo: frequências cardíaca e respiratória, pressão arterial, saturação de oxigênio e capnografia.
Esses parâmetros fisiológicos, porém, não são indicadores válidos para acessar a presença de dor, por sua baixa especificidade, de modo que não devem ser utilizados de maneira isolada . Isso porque outros fatores podem causar alteração desses sinais vitais, como a presença de sepse ou desidratação.
Essas informações servem apenas como alertas de que o paciente pode apresentar dor, e devem incentivar a avaliação do paciente com perguntas diretas (autorrelato) ou aplicação de escalas comportamentais ( Behavioral Pain Scale [BPS] ou Critical-Care Pain Observation Tool [CPOT].
Com frequência, o paciente apresenta mais de um tipo ou localização da dor, de etiologias, em geral, distintas. Cada "dor" deve ser abordada individualmente, com anamnese distinta para esclarecer sua etiologia. Isso é fundamental pois a melhor abordagem para a dor depende de sua temporalidade (aguda
versus
crônica) e fisiopatologia (nociceptiva, neuropática, miofascial, nociplástica).
A avaliação prática da dor pode ser feita de diversas formas, incluindo o autorrelato do paciente ou o uso de escalas padronizadas.
O
autorrelato
de dor de um paciente é o padrão de referência para avaliação de dor em pacientes que podem se comunicar de maneira confiável. Entre pacientes críticos adultos que são capazes de se comunicar, a escala de avaliação numérica (
Numeric Rating Scale
[NRS]), de 0-10, administrada verbal ou visualmente, é uma escala de dor validada.
Figura 2:
Ferramenta PQRSTUV (lembrar da ordem alfabética das letras) para coleta de informações sobre as dores crônicas e agudas, apresentadas pelo paciente.
Figura 3:
Diferentes escalas para quantificar a intensidade da dor, de forma a acompanhar sua resposta ao tratamento, ao longo do tempo. A - Escala analógica de dor; B - Escala numérica de dor; C - Escala verbal de dor; D - Escala Facial de dor.
Figura 4:
Behavioral Pain Scale (BPS) adaptado para o português. A escala varia de 3 a 12 pontos e possui três domínios: expressão facial, movimentação de membros superiores e sincronia com o ventilador mecânico. Uma pontuação acima de 6 representa dor com necessidade de tratamento.
Figura 5:
Critical-Care Pain Observation Tool (CPOT). O escore varia de 0 a 8 pontos, com pontuações acima de 2 indicando um nível não aceitável de dor com necessidade de tratamento medicamentoso.
Além dessas metodologias, novas tecnologias estão surgindo, para tornar mais objetiva e quantificável a avaliação da dor. A ideia é melhorar a avaliação de dor em pacientes com limitação para a comunicação (ex.: pacientes em coma). Ainda que estejam em desenvolvimento e devam ser mais bem estudadas, essas novas ferramentas
são descritas a seguir. Alguns exemplos são: o
Analgesia Nociception Index
® (ANI); o
Nociception Level
(NOL®); o
Pupillary Light Reflex
(PLR); o
Variation Coefficient of Pupillary Diameter
(VCPD); e o
Pupillary Pain Index
(PPI).
Analgesia Nociception Index® (ANI):
Ferramenta eletrofisiológica baseada na análise espectral da variabilidade da frequência cardíaca para estimar o tônus parassimpático, que tem relação com estímulos nociceptivos. O ANI varia de 0 (mínimo tônus parassimpático e máxima resposta ao estresse e dor) até 100 (máximo tônus parassimpático e mínima resposta ao estresse e dor). O estudo de validação do ANI o comparou com o BPS. Neste trabalho, a sensibilidade e a especificidade do ANI foram baixas. No entanto, o valor preditivo negativo do ANI > 43 foi de 90%. Assim, talvez esse índice seja adequado para a exclusão da presença de dor significativa.
Nociception Level (NOL®):
O NOL é um probe colocado no dedo do paciente, semelhante a um oxímetro, que quantifica o nível de resposta fisiológica do paciente à dor. Isso é feito por meio de quatro sensores que calculam dezenas de parâmetros fisiológicos relacionados ao estímulo nociceptivo. Os dados são analisados por algoritmos de inteligência artificial e convertidos a um único indicador numérico: o
Nociception Level Index
. Nesse índice, o número "0" significa ausência de dor, enquanto "100" representa dor extrema. Esse parâmetro pode ser visualizado por um monitor específico, o PMD200.
Índice de dor pela pupilometria (
Pupillary Pain Index
[PPI]
)
: O tamanho das pupilas reflete o balanço entre os sistemas simpático e parassimpático. Atualmente, estão disponíveis aparelhos chamados pupilômetros, que conseguem medir as pupilas de maneira acurada, com precisão de milímetros. Podem ser avaliados o reflexo de dilatação pupilar com estímulos nociceptivos, e o reflexo de constrição pupilar com estímulo luminoso. O grau de dilatação das pupilas, diante de um estímulo doloroso, pode estimar o grau de analgesia fornecido. O PPI é um novo índice, derivado da avaliação dos reflexos pupilares. Em vez de utilizar estímulos nociceptivos, são usados estímulos elétricos de intensidade variável, para avaliar a analgesia durante procedimentos cirúrgicos. O PPI varia de "1" (pouca reatividade pupilar, que significa alto grau de analgesia) até "10" (muita reatividade pupilar, representando baixo nível de analgesia).
Aplicativos para celular:
Existem aplicativos disponíveis para celular que visam facilitar a comunicação do paciente com a família e a equipe de saúde. O aplicativo gratuito Patient Communicator, desenvolvido pela
Society of Critical Care Medicine, tem
versão em português. Esse pode ser baixado no celular do paciente que apresenta limitações para comunicação (ex.: intubação orotraqueal), facilitando sua conversa com os familiares e a equipe multiprofissional.
A compreensão dos mecanismos subjacentes aos diferentes tipos de dor é fundamental para a seleção de tratamentos eficazes. A seguir, são detalhadas as respostas terapêuticas específicas para cada categoria de dor.
A analgesia multimodal é uma abordagem que emprega múltiplos agentes analgésicos, cada um com diferentes mecanismos de ação, para proporcionar um controle da dor mais eficaz e reduzir a utilização de opioides. Além disso, são usados anestésicos regionais e intervenções não farmacológicas para melhorar o controle da dor.
Os opioides continuam sendo um pilar para o tratamento da dor na maioria dos ambientes de UTI. No entanto, há diversas preocupações de segurança relacionadas com seu uso, por exemplo: sedação,
delirium
, depressão respiratória, íleo, imunossupressão e dependência. Assim, um dos focos durante a abordagem da dor deve ser a de "poupar opioides".
Revisão: Mariana C. S. da Rocha (Anestesiologia).
Gélinas C, Shahiri TS, Richard-Lalonde M, et al. Exploration of a Multi-Parameter Technology for Pain Assessment in Postoperative Patients After Cardiac Surgery in the Intensive Care Unit: The Nociception Level Index (NOL)TM. J Pain Res. 2021 Dec 7; 14:3723-3731.
Nordness MF, Hayhurst CJ, Pandharipande P. Current Perspectives on the Assessment and Management of Pain in the Intensive Care Unit. J Pain Res. 2021 Jun 14; 14:1733-1744.
Gélinas C, Bérubé M, Puntillo KA, et al. Validation of the Critical-Care Pain Observation Tool-Neuro in brain-injured adults in the intensive care unit: a prospective cohort study. Crit Care. 2021 Apr 13; 25(1):142.
Shahiri TS, Richard-Lalonde M, Richebé P, et al. Exploration of the Nociception Level (NOL™) Index for Pain Assessment during Endotracheal Suctioning in Mechanically Ventilated Patients in the Intensive Care Unit: An Observational and Feasibility Study. Pain Manag Nurs. 2020 Oct; 21(5):428-434.
Vinclair M, Schilte C, Roudaud F, et al. Using Pupillary Pain Index to Assess Nociception in Sedated Critically Ill Patients. Anesth Analg. 2019 Dec; 129(6):1540-1546.
Devlin JW, Alhazzani W. Clinical Practice Guidelines for the Prevention and Management of Pain, Agitation/Sedation, Delirium, Immobility, and Sleep Disruption in Adult Patients in the ICU (PADIS). Crit Care Med. 2018 Sep; 46(9):e825-e873.
Chanques G, Tarri T, Ride A, et al. Analgesia nociception index for the assessment of pain in critically ill patients: a diagnostic accuracy study. Br J Anaesth. 2017 Oct 1; 119(4):812-820.
Vincent JL, Shehabi Y, Walsh TS, et al. Comfort and patient-centred care without excessive sedation: the eCASH concept. Intensive Care Med. 2016 Jun; 42(6):962-971.
Morete, MC. Tradução e adaptação cultural da versão portuguesa (Brasil) da escala de dor Behavioural Pain Scale. Rev. bras. ter. intensiva 2014; 26(4): 373-378.
Paulus J, Roquilly A, Beloeil H, et al. Pupillary reflex measurement predicts insufficient analgesia before endotracheal suctioning in critically ill patients. Crit Care. 2013 Jul 24; 17(4):R161.
Payen JF, Isnardon S, Lavolaine J, et al. La pupillométrie en anesthésie-réanimation [Pupillometry in anesthesia and critical care]. Ann Fr Anesth Reanim. 2012 Jun; 31(6):e155-e159.
Loeser JD, Treede RD. The Kyoto protocol of IASP Basic Pain Terminology. Pain. 2008 Jul 31; 137(3):473-477.
Gélinas C, Fillion L, Puntillo KA, et al. Validation of the critical-care pain observation tool in adult patients. Am J Crit Care. 2006 Jul; 15(4):420-427.
Payen JF, Bru O, Bosson JL, et al. Assessing pain in critically ill sedated patients by using a behavioral pain scale. Crit Care Med. 2001 Dec; 29(12):2258-2263.