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Distúrbios de Coagulação

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Definição: A ocorrência de coagulopatias é comum no ambiente de terapia intensiva. Seja como consequência de uma doença de base, seja como motivo da internação, os distúrbios da coagulação influenciam o prognóstico do paciente em estado crítico, aumentando sua morbi/mortalidade.

    Padrão do sangramento:
  • Mucocutâneo: Alteração da hemostasia primária (plaquetas ou fator de von Willebrand);
  • Hematomas de partes moles e hemartroses: Alteração da hemostasia secundária (fatores de coagulação).
    Tempo para o início do sangramento:
  • Imediato: A lteração da hemostasia primária (plaquetas ou fator de von Willebrand);
  • Tardio: A lteração da hemostasia secundária (fatores de coagulação).
Texto alternativo para a imagem Etapas da hemostasia. Ilustração: Leandro Zamonel Rocha.

    Exames laboratoriais iniciais:
  • Contagem de plaquetas;
  • Tempo de protrombina (TAP);
  • Tempo de tromboplastina parcial ativada (PTTa);
  • Tempo de trombina (TT) e fibrinogênio .
    Diagnóstico diferencial conforme os testes de coagulação:
  • PTTa prolongado e TAP normal, com TT normal: Uso de heparina não fracionada; deficiência ou inibidor de fatores VIII (hemofilia A ), IX (hemofilia B) ou XI (hemofilia C); doença de von Willebrand , detecção de anticoagulante lúpico;
  • PTTa normal e TAP prolongado, com TT normal: Deficiência de vitamina K ou uso de antagonista de vitamina K (Varfarina); hepatopatia; deficiência ou inibidor de fator VII (condições raras);
  • PTTa e TAP prolongados, com TT normal: Hepatopatia; intoxicação por Varfarina e Heparina; deficiência ou inibidor de protrombina (fator II) ou dos fatores V ou X (condições raras);
  • PTTa normal ou prolongado, TAP normal ou prolongado e TT prolongado: Deficiência de fibrinogênio (qualitativa ou quantitativa), coagulação intravascular disseminada (CIVD).

Observação! CIVD pode prolongar PTTa, TAP e TT devido ao consumo de fatores de coagulação e fibrinogênio.

Trombocitopenia

Definição: Plaquetas < 150.000/mm³.

A trombocitopenia é comum em pacientes em estado crítico. A maior parte dos casos está relacionada com infecções, quimioterapia, toxicidade de medicamento(s) e CIVD. Está diretamente associada a um pior prognóstico, além de ser considerada um marcador de tempo de internação.

A maioria dos pacientes só apresenta sintomas quando os níveis de plaquetas estão abaixo de 50.000/mm³. O risco de sangramento espontâneo aumenta muito quando plaquetometria abaixo de 20.000/mm³.

    Principais sinais e sintomas:
  • Petéquias e equimoses;
  • Gengivorragia e epistaxe;
  • Menorragia;
  • Hemorragia intracraniana (rara, mas potencialmente fatal).
    Principais situações:
  • Indução por medicamentos (ex.: Furosemida, Ácido valproico, Ácido acetilsalicílico, betalactâmicos, Carbamazepina, Quinidina, Fenitoína, diurético tiazídico, Sulfametoxazol-Trimetoprima, Vancomicina) ou toxinas;
  • Microangiopatias trombóticas (síndrome hemolítico-urêmica , púrpura trombocitopênica trombótica ) ;
  • CIVD;
  • Doenças autoimunes (ex.: lúpus eritematoso sistêmico , síndrome do anticorpo antifosfolipídio );
  • Hipertensão portal com hiperesplenismo;
  • Infecções bacterianas e virais (ex.: dengue );
  • Destruição mecânica (ex.: valvopatias, dispositivos intravasculares como balão intra-aórtico);
  • Destruição pós-transfusional ou transfusão maciça ;
  • Gestação: Síndrome HELLP ou trombocitopenia gestacional .
    Emergências médicas:
  • Hemorragia na presença de trombocitopenia grave;
  • Necessidade urgente de procedimentos invasivos na presença de trombocitopenia grave;
  • CIVD: Desordem sistêmica caracterizada por ativação descontrolada do processo de coagulação sanguínea, com risco de trombose e hemorragia;
  • Trombocitopenia induzida por Heparina (HIT, do inglês H eparin-Induced Thrombocytopenia ) : Pode ocorrer a pós exposição à Heparina (não fracionada ou de baixo peso molecular), com formação de anticorpo anti-PF4, que ativa plaquetas causando fenômenos trombóticos arteriais e venosos;
  • Microangiopatia trombótica: Caracteriza-se por trombocitopenia, anemia hemolítica microangiopática e dano orgânico;
  • Trombocitopenia grave na gestação: Deve-se avaliar possibilidade de síndrome HELLP, condição potencialmente fatal, caracterizada por hemólise, elevação das enzimas hepáticas e trombocitopenia.
    Abordagem diagnóstica:
  • Pseudotrombocitopenia (erro laboratorial): Primeira possibilidade a ser excluída. Deve-se avaliar a presença de agregados plaquetários, macroplaquetas e/ou satelitismo plaquetário na lâmina de sangue periférico e repetir a contagem em tubo com citrato (tampa azul – tubo de coagulograma);
  • Recomenda-se a realização de exames complementares conforme a suspeita clínica (ex.: função hepática, coagulograma, pesquisa de autoanticorpos).

Atenção! Púrpura trombocitopênica imune é um diagnóstico de exclusão e predominantemente clínico.

    Abordagem terapêutica:
  • O manejo depende da causa de base;
  • Em alguns casos, pode ser necessário submeter o paciente à transfusão de plaquetas : A indicação de transfusão deve ser avaliada individualmente (gravidade da trombocitopenia, sintomatologia, necessidade de procedimentos invasivos), sendo raramente realizada no contexto de destruição periférica de plaquetas;
  • Em geral, considera-se a transfusão quando: Plaquetometria < 10.000/mm³; plaquetometria < 20.000/mm³ + fatores associados, como febre, eventos hemorrágicos, doença enxerto versus hospedeiro, queda rápida da plaquetometria, outras alterações da hemostasia; plaquetometria < 50.000/mm³ + proposta de procedimentos invasivos, exceto neurocirúrgicos e oftalmológicos; plaquetometria < 80.000-100.000/mm³ + proposta de procedimentos neurocirúrgicos ou oftalmológicos; associação com CIVD; hemorragia associada a defeito plaquetário qualitativo e refratária a outras medidas.

Para mais informações sobre trombocitopenia, acesse: Abordagem ao paciente com trombocitopenia.

Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD)

Fenômeno decorrente do desequilíbrio entre fibrinólise e coagulação. Manifesta-se por súbita queda da quantidade de plaquetas, alargamento de todos os tempos de coagulação e consumo de fibrinogênio, associado ao aumento dos produtos de degradação da fibrina (D-dímero ). O paciente pode evoluir com sangramentos e/ou eventos tromboembólicos.

    Principais causas no Centro de Tratamento Intensivo:
  • Sepse – a mais frequente;
  • Neoplasias (ex.: leucemia promielocítica aguda );
  • Insuficiência hepática e pancreatite;
  • Distúrbios vasculares e imunológicos (ex.: reação transfusional hemolítica aguda );
  • Intoxicações (ex.: veneno de cobra);
  • Trauma (ex.: lesão por esmagamento);
  • Grande queimado;
  • Uso de substâncias (ex.: overdose de anfetamina);
  • Complicações obstétricas (ex.: pré-eclâmpsia , abortamento retido , síndrome HELLP ).
    Abordagem diagnóstica:
  • O diagnóstico é clínico e laboratorial;
  • Achados que sugerem o diagnóstico incluem: Trombocitopenia moderada a grave, história de trauma recente, sepse, malignidade ou reação transfusional, hemorragias, trombose inexplicada, alargamento de TAP e PTT, baixa dosagem de fibrinogênio, D-dímero alto;
  • Não há alteração laboratorial patognomônica, e recomenda-se a realização de exames laboratoriais seriados para acompanhar a evolução dos parâmetros (ex.: a cada 8 horas).
Diagnóstico de CIVD – Escore ISTH
Exames Laboratoriais
Valor
Ponto(s)
TAP
< 3 segundos
3-6 segundos
≥ 6 segundos
0
1
2
D-dímero
Normal
Aumento discreto
Aumento intenso
0
2
3
Contagem de plaquetas
≥ 100.000/mm³
50.000-100.000/mm³
< 50.000/mm³
0
1
2
Dosagem de fibrinogênio
≥ 1 g/L
< 1 g/L
0
1
    Resultado:
  • ≥ 5: Compatível com CIVD; repetir diariamente;
  • < 5: Não sugestivo de CIVD; repetir a cada 1 a 2 dias.
    Abordagem terapêutica:
  • O aspecto principal é o tratamento da causa de base, a fim de eliminar o estímulo à coagulação (ex.: antibioticoterapia se sepse, quimioterapia se malignidade, indução do parto se complicações obstétricas);
  • Medidas de suporte incluem hidratação vigorosa, suporte ventilatório e hemotransfusão ;
  • A administração profilática de plaquetas e/ou fatores de coagulação em indivíduos sem hemorragia e sem risco alto para hemorragia não é recomendada de rotina, exceto se trombocitopenia muito grave (< 10.000-20.000/mm³). Por outro lado, se houver sangramento ativo ou necessidade de procedimento invasivo, o uso de hemocomponentes (concentrado de plaquetas, crioprecipitado) está indicado.

Para mais informações sobre CIVD, acesse: Coagulação intravascular disseminada .

Disfunção Hepática

Pacientes com hepatopatia, aguda ou crônica , podem apresentar alteração da coagulação multifatorial (redução da produção de fatores da coagulação produzidos pelo fígado + hiperesplenismo com diminuição da quantidade de plaquetas circulantes).

Apesar disso, esses pacientes também apresentam redução dos fatores anticoagulantes, podendo apresentar-se com maior tendência pró-trombótica. Essa deficiência, no entanto, é subdiagnosticada, pois não se dosam os fatores anticoagulantes habitualmente. Assim, nesses pacientes, TAP/INR alargado não significa proteção contra eventos trombóticos ou maior risco de sangramento.

Deve ser direcionado para a causa de base. A indicação de transfusão de hemocomponentes deve ser avaliada individualmente, tendo em vista o risco de Reações imediatas e tardias .

    1. Concentrado de plaquetas (CP):
  • < 10.000/mm³: Sempre considerar transfusão (exceto na púrpura trombocitopênica trombótica);
  • < 20.000/mm³: Se associada a outros fatores, como febre e eventos hemorrágicos (ex.: petéquias, equimoses, sangramentos mucosos);
  • < 30.000/mm 3 : Na leucemia promielocítica aguda , mesmo na ausência de sangramento agudo;
  • < 50.000/mm³: Se associada a sangramento grave (ex.: hemorragia digestiva alta , epistaxe grave ) ou se proposta de procedimentos invasivos;
  • < 80.000-100.000/mm³: Se proposta de neurocirurgia ou cirurgia oftalmológica (dependendo do procedimento).

Posologia: 1 pool de plaquetas. Cada transfusão implica, em média, aumento de 10.000 plaquetas/mm³.

    2. Crioprecipitado:
  • Hipofibrinogenemia (principalmente se fibrinogênio < 80 a 100 mg/dL), congênita ou adquirida (ex.: CIVD , transfusão maciça ).

Posologia: 1-1,5 unidade para cada 10 kg de peso corporal – cada unidade aumenta o fibrinogênio em 5 a 10 mg/dL, em média, sendo o alvo terapêutico > 100 a 150 mg/dL.

    3. Plasma fresco congelado (PFC):
  • Sangramento ou risco de sangramento causado por deficiência de múltiplos fatores de coagulação (ex.: hepatopatia, CIVD );
  • Sangramento por uso de anticoagulante oral ou necessidade de reversão urgente da anticoagulação;
  • Transfusão maciça com sangramento por coagulopatia dilucional;
  • Púrpura trombocitopênica trombótica (como líquido de reposição na plasmaférese terapêutica);
  • Considerar se INR > 1,5 + alto risco de sangramento, pré-procedimento invasivo ou sangramento ativo significativo.

Posologia: 10-20 mL/kg – cada unidade contém 200 a 250 mL.

Para mais informações sobre uso clínico do CP, crioprecipitado e PFC, acesse: Hemotransfusão.

    Autoria principal: Lívia Pessôa de Sant’Anna Coelho (Clínica Médica e Hematologia).

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