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As profilaxias são fundamento do bom cuidado a ser instituído no paciente crítico. Entende-se que este grupo de pacientes é submetido a diversas agressões do ambiente, à exposição a diferentes agentes infecciosos, drogas e dispositivos (invasivos ou não), além do decúbito restrito e obrigatório. Realizar profilaxias melhora o prognóstico e tem impacto direto na morbi/mortalidade desses pacientes. Toda a equipe profissional do centro de terapia intensiva (CTI) é responsável pela conferência, adequação e implantação deste manejo.
A falta deste cuidado é um indicador de má qualidade em assistência hospitalar.
A profilaxia da úlcera gástrica por estresse é prática comum, principalmente nos CTIs. Estima-se que cerca de 50% dos pacientes de enfermarias e aproximadamente 90% dos pacientes de CTIs façam algum tipo de profilaxia. Entretanto, apenas um pequeno percentual apresenta hemorragia gastrointestinal em atividade ou em potencial; muitas vezes, as drogas são usadas sem indicação clara de benefício.
Epidemiologia:
1,5-8,5% dos pacientes internados em terapia intensiva apresentam hemorragia digestiva associada a úlceras de estresse.
A redução do risco de sangramento é diretamente proporcional ao risco de sangramento. Em pacientes de muito alto risco (> 8% de chance de sangramento), o uso de IBP ou bloqueador H2 reduz o risco de sangramento clinicamente significativo em 3-5%, sendo esse benefício inferior a 1% entre pacientes de baixo risco. Recentemente, novo esquema de estratificação foi proposto, considerando os principais fatores de risco (ver tabela a seguir). Há diversas outras classificações na literatura.
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Risco
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Fatores de Risco
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Risco de Sangramento Gastrointestinal Clinicamente Significativo (por 1.000) |
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Baixo risco
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Paciente crítico sem outro fator de risco; insuficiência hepática aguda; uso de corticosteroides ou imunossupressores; uso de anticoagulante; neoplasia; sexo masculino
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10-20 |
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Risco moderado
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Ventilação mecânica com dieta enteral; choque; sepse; insuficiência renal aguda
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21-40 |
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Alto risco
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Coagulopatia; dois ou mais fatores de risco moderado
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40-60
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Muito alto risco
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Ventilação mecânica sem dieta enteral; hepatopatia crônica fibrosante (cirrose)
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81-100
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Úlceras de estresse devem ser suspeitadas em pacientes críticos que se apresentem com hematêmese, melena ou anemia. O sangramento digestivo está associado ao aumento de mortalidade.
Ocorrem mais comumente no fundo e corpo do estômago, mas podem surgir no antro, duodeno e esôfago distal. Geralmente, são superficiais e bem delimitadas, com sangramento em lençol por lesão de leito de capilares.
Em pacientes de médio risco, a profilaxia pode ser indicada, avaliando-se caso a caso, especialmente para aqueles com múltiplas comorbidades. Não utilizar profilaxia em pacientes com risco de sangramento ≥ 4%.
O uso de nutrição enteral parece reduzir o risco de úlcera de estresse, embora ainda haja controvérsias sobre o assunto.
A profilaxia parece reduzir o risco de sangramento, mas não a mortalidade em 90 dias e a taxa de infecção, segundo estudo recentemente publicado.
Autoria principal: Guilherme Grossi Lopes Cançado (Gastroenterologia e Hepatologia).
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