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Protocolo de Morte Encefálica

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Diretrizes para seleção de pacientes > 2 anos com morte encefálica possivelmente doadores: O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou em dezembro de 2017 uma atualização dos critérios para a definição de morte encefálica. A nova resolução, de Nº 2.173/2017, substitui a de Nº 1.480/1997.

A morte encefálica (ME) é estabelecida pela perda definitiva e irreversível das funções do encéfalo por causa conhecida, comprovada e capaz de provocar o quadro clínico.

O diagnóstico de ME é de certeza absoluta. Qualquer dúvida na determinação de ME impossibilita esse diagnóstico.

Os procedimentos para determinação da ME deverão ser realizados em todos os pacientes em coma não perceptivo e apneia, independentemente da condição de doador ou não de órgãos e tecidos.

  • Possível doador: Paciente com injúria/lesão cerebral devastadora ou paciente com falha circulatória e aparentemente candidato à doação de órgãos;
  • Potencial doador: Paciente que preenche os critérios para doação (ex.:paciente que iniciou protocolo de ME);
  • Doador elegível: Diagnóstico de ME firmado.

A busca ativa de potenciais doadores deve ser encorajada e realizada diariamente nas visitas. Protocolos de retirada de sedação devem ser realizados diariamente. Possíveis doadores devem ser notificados à organização responsável (CNT e CET).

Para o diagnóstico de ME, é essencial que todas as condições a seguir sejam observadas.

    1. Pré-requisitos:
  • Presença de lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e capaz de causar a ME;
  • Ausência de fatores tratáveis que possam confundir o diagnóstico de ME;
  • Tratamento e observação em ambiente hospitalar pelo período mínimo de seis horas. Quando a causa primária do quadro for encefalopatia hipóxico-isquêmica, esse período de tratamento e observação deverá ser de, no mínimo, 24 horas;
  • Temperatura corporal (esofagiana, vesical ou retal) > 35 °C, saturação arterial de oxigênio > 94% e pressão arterial sistólica ≥ a 100 mmHg ou pressão arterial média ≥ a 65 mmHg para adultos.

2. Dois exames clínicos: Para confirmar a presença do coma e a ausência de função do tronco encefálico em todos os seus níveis, com intervalo mínimo de uma hora em pacientes com idade > 2 anos.

3. Teste de apneia: Para confirmar a ausência de movimentos respiratórios após estimulação máxima dos centros respiratórios em presença de PaCO 2 > 55 mmHg.

4. Exames complementares: Para confirmar a ausência de atividade encefálica, caracterizada pela falta de perfusão sanguínea encefálica, de atividade metabólica encefálica ou de atividade elétrica encefálica.

1. Distúrbio hidroeletrolítico, acidobásico/endócrino e intoxicação exógena graves: Atenção! A hipernatremia grave refratária ao tratamento não inviabiliza determinação de ME, exceto quando é a única causa do coma.

2. Hipotermia: Temperatura retal, vesical ou esofagiana < 35 °C.

3. Fármacos com ação depressora do sistema nervoso central (FDSNC): Fenobarbital, Clonidina, Dexmedetomidina, Morfina e outros, além de bloqueadores neuromusculares (BNM).

4. Nas condições anteriormente citadas, deverá ser dada preferência a exames complementares que avaliam o fluxo sanguíneo cerebral, pois o EEG sofre significativa influência desses agentes nessas situações.

Coma não perceptivo: Estado de inconsciência permanente com ausência de resposta motora supraespinhal a qualquer estimulação, particularmente dolorosa intensa em região supraorbitária, trapézio e leito ungueal dos quatro membros. A presença de atitude de descerebração ou decorticação invalida o diagnóstico de ME.

Poderão ser observados reflexos tendinosos profundos, movimentos de membros, atitude em opistótono ou flexão do tronco, adução/elevação de ombros, sudorese, rubor ou taquicardia, ocorrendo espontaneamente ou durante a estimulação. A presença desses sinais clínicos significa apenas a persistência de atividade medular e não invalida a determinação de ME.

    Ausências de reflexos de tronco cerebral:
  1. Ausência do reflexo fotomotor: As pupilas deverão estar fixas e sem resposta à estimulação luminosa intensa (lanterna), podendo ter contorno irregular, diâmetros variáveis ou assimétricos.
  2. Ausência de reflexo córneo-palpebral: Ausência de resposta de piscamento à estimulação direta do canto lateral inferior da córnea com gotejamento de soro fisiológico gelado ou algodão embebido em soro fisiológico ou água destilada.
  3. Ausência do reflexo oculocefálico: Ausência de desvio do(s) olho(s) durante a movimentação rápida da cabeça nos sentidos lateral e vertical. Não realizar em pacientes com lesão de coluna cervical suspeitada ou confirmada.
  4. Ausência do reflexo vestíbulo-calórico: Ausência de desvio do(s) olho(s) durante um minuto de observação, após irrigação do conduto auditivo externo com 50-100 mL de água fria (± 5 o C), com a cabeça colocada em posição supina e a 30 o . O intervalo mínimo do exame entre ambos os lados deve ser de três minutos. Realizar otoscopia prévia para constatar a ausência de perfuração timpânica ou oclusão do conduto auditivo externo por cerume.
  5. Ausência do reflexo de tosse: Ausência de tosse ou bradicardia reflexa à estimulação traqueal com uma cânula de aspiração.
  6. Ausência de movimentos respiratórios no teste de apneia: Teste de apneia - médico à beira do leito:
    • Manter a PaO 2 > 100 mmHg e pCO 2 40-45 mmHg (ventilar com FiO 2 100% assistido por, aproximadamente, 10 minutos) na primeira gasometria;
    • Desconectar o circuito do respirador, mantendo uma cânula de O 2 na topografia da carina com fluxo 6 L/min;
    • Observar movimentos respiratórios por até 10 minutos;
    • O teste deverá ser interrompido se PA sistólica < 90 mmHG, Sat < 85% ou desenvolver alguma arritmia.

Pacientes que não toleram o cateter a 6 L podem ser submetidos à colocação de um tubo T e adaptação ao CPAP com pressão de 10 cm/H 2 O e fluxo de 12 L/minuto.

Interrupção do teste: Caso ocorra hipotensão (PA sistólica < 100 mmHg ou PA média < que 65 mmHg), hipoxemia significativa ou arritmia cardíaca, deverá ser colhida uma gasometria arterial e reconectado o respirador, interrompendo-se o teste. Se o PaCO 2 final < 56 mmHg, após a melhora da instabilidade hemodinâmica, deve-se refazer o teste.

Teste positivo (presença de apneia): PaCO 2 final > 55 mmHg, sem movimentos respiratórios, mesmo que o teste tenha sido interrompido antes dos 10 minutos previstos.

Teste inconclusivo: PaCO 2 final < 56 mmHg, sem movimentos respiratórios.

Teste negativo (ausência de apneia): Presença de movimentos respiratórios, mesmo débeis, com qualquer valor de PaCO 2 .

Atentar para o fato de que, em pacientes magros ou crianças, os batimentos cardíacos podem mimetizar movimentos respiratórios débeis.

Será utilizada a mesma técnica do primeiro exame. Não é necessário repetir o teste de apneia quando o resultado do primeiro teste for positivo. O intervalo mínimo de tempo a ser observado entre o primeiro e o segundo exames clínicos é de uma hora nos pacientes com idade ≥ 2 anos de idade.

    Observações práticas sobre o protocolo:
  • Distúrbios metabólicos iniciados após o diagnóstico de coma não interferem no protocolo;
  • Não há evidências na literatura sobre alterações (como sódio, fósforo, cálcio, glicose, distúrbios hidroeletrolíticos e disfunção renal) abolarem os reflexos de tronco encefálico.
    Sobre o uso prévio de drogas sedativas:
  • Esperar 4-5 meias-vidas da droga depressora para firmar o diagnóstico (caso tenha sido realizada infusão contínua em dose terapêutica);
  • Pacientes em uso prévio de drogas depressoras, preferir métodos de avaliação de fluxo no SNC: Doppler e arteriografia.
  • Eletroencefalograma deve ser evitado em casos de: Utilização de drogas depressoras, hipotermia induzida, desordem metabólica, desordens dos mecanismos de excreção de drogas do SNC.
    Principais drogas e meia-vida:
  • Midazolam: 2 horas;
  • Fentanila: 2 horas;
  • Etomidato: 2 horas;
  • Propofol: 2 horas;
  • Ketamina: 2 horas e 30 minutos;
  • Pancurônio: 2 horas;
  • Tiopental: 12 horas.
    Além da confirmação do diagnóstico clínico, um exame complementar que comprove a ausência de atividade encefálica deve ser realizado. Na prática, são usados três métodos para confirmação:
  • Eletroencefalograma: Ausência de atividade elétrica > 2 microV, por um mínimo de 30 minutos;
  • Doppler transcraniano: Ausência de fluxo nos vasos cerebrais, em pacientes previamente insonados; fluxo diastólico reverso ou picos sistólicos isolados nos principais vasos do encéfalo;
  • Arteriografia cerebral: Ausência de fluxo sanguíneo na entrada do cérebro dos quatro vasos em 20 segundos; parada circulatória no polígono de Willis; enchimento lento > 15 segundos do seio longitudinal superior.

Conclusão: A constatação do óbito se dá no momento da conclusão do protocolo, o que pode ser após a segunda avaliação clínica, ou após exame complementar (prevalece aquele que for realizado por último).

    Após constatada a ME, deve-se:
  • Comunicar à família do paciente - sem falar sobre transplante de órgãos;
  • Notificar às centrais nacional e estaduais de transplante (CNT e CETs), e considerar o protocolo, se indicado;
  • Enviar uma cópia da declaração ao órgão controlador estadual (CET);
  • Registrar todos os passos do protocolo na folha de evolução e na folha padronizada (que deve ser assinada pelos dois médicos que constataram exame clínico de ME);
  • Caso o paciente seja doador, a função cardiorrespiratória deve ser mantida através de suporte por aparelhos e medicações para manter a viabilidade dos órgãos e tecidos.
    O fluxograma de quem deve preencher a declaração de óbito deve ser mantido normalmente:
  • Causa natural conhecida: Médico assistente/plantonista;
  • Sem assistência médica/causa desconhecida: SVO;
  • Causa externa: IML.
Consentimento para doação de órgãos: É necessário o consentimento por escrito da família, não sendo necessário nenhum registro por escrito da parte do paciente falecido. A entrevista para obtenção do consentimento familiar deve ser clara e objetiva, e pode ser realizada pelo médico assistente, do CTI ou pelos membros da equipe de captação.

É adequado, diante da constatação da ME em não doador, suspender os procedimentos de suportes terapêuticos. O cumprimento dessa decisão deve ser precedido de comunicação e esclarecimento (pelo médico assistente ou seu substituto) sobre a ME aos familiares ou representantes, com registro adequado no prontuário. Nesse caso, a data e hora registradas na declaração de óbito devem ser as mesmas da determinação de morte encefálica.

Após o primeiro exame ser conclusivo para ME, comunicar à comissão de transplante do hospital/região. Após a confirmação por outro profissional, comunicar à família a confirmação diagnóstica.

    Classificação de potenciais doadores:
  • Doador falecido:
    • Doador com coração parado recente ou doador sem batimentos cardíacos: Doador com parada cardíaca recente, no qual podem ser captado órgãos, em especial os rins;
    • Doador em coração parado tardio: Trata-se de um cadáver com parada cardíaca não recente (até seis horas) que pode ser doador apenas de tecidos.
  • Doador vivo: Indivíduo saudável disposto a doar tecido ou órgão.
    Exames básicos:
  • Hemograma completo;
  • Ureia;
  • Creatinina;
  • Sódio;
  • Potássio;
  • Gasometria;
  • TGO;
  • TGP;
  • Gama-GT;
  • Fosfatase alcalina;
  • Bilirrubinas;
  • Sorologias (HIV, CMV, hepatites virais, toxoplasmose);
  • Culturas (secreção traqueal, hemoculturas e urina);
  • Ecocardiograma (em casos específicos transesofágico);
  • Broncofibroscopia (variável).
    Exames conforme a condição clínica na doação de órgãos:
  • Sanguínea: Grupo ABO;
  • Hematológicas: Hemograma, plaquetas;
  • Eletrólitos: Na, K, Ca, Mg;
  • Doador de pulmão: GSA, radiografia de tórax, medida da circunferência torácica;
  • Doador de coração: CPK, CKMB, ECG, cateterismo cardíaco, ecocardiograma;
  • Doador de rim: Ur, Cr, EAS (urina tipo I);
  • Doador de fígado: TGO, TGP, gGT, bilirrubinas, albumina, TAP/Ptta;
  • Doador de pâncreas: Amilase, lipase, glicemias;
  • Infecções: Colher culturas do sítio de origem.
    Falsas contraindicações:
  • Trypanossomna cruzi ;
  • Echinococcus granulosus ;
  • Micobactéria;
  • Outras infestações parasitárias;
  • Citomegalovírus humano;
  • Vírus de Epstein-Barr;
  • Treponema pallidum ;
  • Toxoplasma gondii .
    Algumas contraindicações absolutas de doações de órgãos para transplantes:
  • Infecção por HIV;
  • Sorologia positiva para HTLV I e II;
  • Hepatite aguda;
  • Tuberculose ativa, sem, pelo menos, dois meses de terapia eficaz;
  • Malária;
  • Infecções virais agudas (ex.: rubéola, raiva, vírus do oeste do Nilo, adenovírus, enterovírus, parvovírus, e meningoencefalite viral ou de causa desconhecida);
  • Meningoencefalite por criptococo e doenças priônicas;
  • Sepse não controlada clinicamente (controlada = dose estável ou em redução progressiva ou ausência de vasopressor). Verificar os resultados de culturas e informar para a central de transplantes;
  • Infecção fúngica invasiva;
  • Doadores portadores de qualquer condição neoplásica maligna, excetuando carcinoma in situ de pele, carcinoma in situ de colo uterino e alguns tumores primários do SNC.
    Atenção!
  • VDRL positivo não contraindica doação, mas o receptor deve receber tratamento específico após o transplante;
  • A doação de doadores com infecção bacteriana não é contraindicada, desde que o doador esteja recebendo antibioticoterapia eficaz por, pelo menos, 48 horas;
  • Órgão de doador com sorologia positiva para o VHC pode ser utilizado em receptores de rim ou de fígado portadores de VHC;
  • Doadores com anti-HBs positivo e anti-HBc positivo ou com anti-HBc positivo isolado podem doar órgãos para receptores portadores do VHB e receptores com evidência de imunidade (anti-HBs positivo). Nesses casos, deve-se realizar profilaxia pós-transplante;
  • Sorologia positiva para CMV, HSV ou EBV não contraindica doação, porém medidas preventivas pós-transplante devem ser tomadas;
  • Órgão de doador soropositivo para toxoplasmose pode ser utilizado, sendo recomendada profilaxia específica (especialmente em transplante de coração) se o receptor for soronegativo.

Autoria principal: Felipe Nobrega (Neurologia).

Resolução CFM 2.173/2017.

Westphal GA, Garcia VD, Associação de Medicina Intensiva Brasileira; Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, et al. Guidelines for the assessment and acceptance of potential brain-dead organ donors. Rev Bras Ter Intensiva. 2016; 28(3):220-255.

Domínguez-Gil B, Delmonico FL, Shaheen FA, et al. The critical pathway for deceased donation: reportable uniformity in the approach to deceased donation. Transpl Int. 2011; 24(4):373-378.

Brasil. Lei n o 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a Remoção de Órgãos, Tecidos e Partes do Corpo Humano para fins de Transplante e Tratamento e dá outras providências. Brasília: Casa Civil, 1997.