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A cada dia novas unidades especializadas em suporte neurointensivo têm surgido no Brasil. É fato que o investimento em unidades especializadas na abordagem de pacientes críticos neurológicos resulta em melhor desfecho clínico.
O paciente que necessita de suporte neurointensivo, em geral, apresenta alteração do nível de consciência e/ou alteração do exame neurológico, ambas influenciadas diretamente pelo estado basal do paciente (comorbidades) e sua doença (evento agudo).
Existem diversos elementos para realizar a adequada monitorização (avaliação funcional e da perfusão cerebral) e proteção do sistema nervoso central (SNC). Esses dois elementos são fundamentais na recuperação desses pacientes, assim como para o acompanhamento da resposta ao tratamento, com o objetivo de garantir viabilidade funcional da área sadia do SNC e evitar lesões secundárias.
Bloqueio neuromuscular mais usado: Pancurônio 0,02-0,07 mg/kg/hora.
Terapia hiperosmolar: Manitol 20% 0,25-1 g/kg EV. Opção: Salina 3%.
Hiperventilação para manter PCO
2
30-35 mmHg.
Evitar hipertermia (T ≥ 38
o
C) e considerar hipotermia controlada (32-34
o
C).
Anticonvulsivante:
Fenitoína (200 mg/1 mL): Dose de ataque de 15-20 mg/kg EV, diluído, em 20 minutos (não exceder taxa de 50 mg/minuto). Manutenção: 100 mg EV/SNE de 8/8 horas.
Prevenir lesões secundárias (hipoxemia, hipotensão sistêmica e aumento contínuo da PIC).
Trata-se da melhor maneira de avaliar e acompanhar o paciente, principalmente, pela fácil aplicação. Inicialmente, o ideal é a realização de um exame físico e neurológico completo.
Posteriormente, com a necessidade de repetições, deve-se direcionar o exame às principais áreas acometidas, com o objetivo de detectar mudanças sensíveis e passíveis de intervenção imediata.
A redução/ suspensão diária da sedação é uma conduta fundamental para aumentar a sensibilidade do exame neurológico. Essa medida, além de permitir uma avaliação mais realista do estado neurológico, resulta em redução do tempo de internação e de dependência da ventilação mecânica.
Posição e atitude no leito:
Algumas atitudes involuntárias são típicas de doença neurológica e merecem especial atenção.
Atitude passiva:
Paciente permanece na posição em que é colocado no leito, sem que haja contratura muscular.
Ortótono:
Paciente com tronco e membros rígidos, sem se curvarem.
Tremores:
Movimentos alternantes regulares de pequena ou média amplitude, que afetam principalmente o segmento distal dos membros.
Tremor de repouso:
Surge durante o repouso e desaparece com os movimentos e o sono; é um tremor oscilatório, em regra mais evidente nas mãos, simulando o gesto de “enrolar cigarro”. Ocorre no parkinsonismo.
Tremor de atitude:
Surge quando o membro é colocado em determinada posição, não sendo muito evidente no repouso ou no movimento. Ocorre no pré-coma hepático (
flapping
ou asterix), na doença de Wilson, e no tremor familiar.
Tremor de ação:
Surge ou se agrava com a execução de um movimento. Aparece nas doenças cerebelares.
Tremor vibratório:
Tremor fino e rápido, como uma vibração. Pode surgir no hipertireoidismo, no alcoolismo, na neurossífilis, ou, mais comumente, ser de origem emocional.
Movimentos coreicos (coreia):
Movimentos involuntários amplos, desordenados, inesperados, arrítmicos, multiformes e sem finalidade. Localizam-se na face, nos membros superiores e inferiores. São as manifestações principais da síndrome coreica, cumprindo lembrar seus dois tipos clínicos mais encontrados: coreia de Sydenham (coreia infantil), que é de etiologia infecciosa, relacionada à febre reumática; e coreia de Huntington, que apresenta caráter hereditário.
Movimentos atetósicos (atetose):
Movimentos involuntários lentos e estereotipados, lembrando um movimento reptiforme ou dos tentáculos de um polvo. Podem ser uni ou bilaterais. Indicam lesão dos núcleos da base. Podem ser causados por impregnação cerebral por hiperbilirrubinemia do neonato (
kernicterus
).
Hemibalismo:
Movimentos abruptos, violentos, de grande amplitude, rápidos e geralmente limitados a uma metade do corpo. São muito raros e decorrentes de lesões extrapiramidais.
Asterix (
flapping
):
Movimentos rápidos, de amplitude variável, que ocorrem nos segmentos distais e têm certa semelhança com o bater de asas das aves. É um movimento frequente na insuficiência hepática, e no coma urêmico.
Utilização do eletroencefalograma (EEG):
Técnica para monitorização de parâmetros elétricos de potenciais excitatórios do córtex cerebral. A análise das ondas emitidas pelos diversos canais conduz à interpretação e auxilia o diagnóstico de diversas condições, o que pode possibilitar tratamento adequado e melhora do prognóstico do paciente. A avaliação das ondas é muito difícil para o não especialista. Por isso, os dados do EEG são expressos também em gráficos das porcentagens das ondas. Entretanto, um especialista sempre deve ser consultado, antes da tomada de decisão e conduta.
| BIS |
Equivalente Clínico
|
| < 0 |
Ausência de atividade elétrica
|
| 0-20 | Surto-supressão ao EEG |
| 20-40 | Hipnose profunda |
| 40-60 | Não desperta ao chamado verbal (anestesia) |
| 60-80 | Acorda ao chamado verbal vigoroso e tátil moderado |
| 80-100 | Acorda e responde ao chamado |
Trata-se do registro da atividade elétrica após estímulos sensoriais ou motores. A avaliação do potencial baseia-se no intervalo entre o estímulo e a resposta (latência) e o pico de intensidade do potencial (amplitude).
Avaliação sensorial:
Nervos cranianos ou periféricos, cortical e subcortical.
Avaliação motora:
Estímulo elétrico e magnético.
É útil para se distinguir entre a síndrome do encarceramento ( locked-in ), o coma psicogênico e as lesões do tronco encefálico. A monitorização contínua possibilita a detecção precoce de disfunções.
A não identificação de potenciais somatossensitivos pode indicar lesão cervical alta. A não detecção, associada à ausência de potenciais auditivos em pacientes em coma, indica mal prognóstico. Na presença de potencial auditivo na ausência de somatossensitivo, é provável o diagnóstico de estado vegetativo.
Os sedativos causam pouca interferência na avaliação dos potenciais.
A medida da PIC é um dos principais elementos da monitorização neurointensiva. O uso da PIC facilita o acompanhamento em tempo real da pressão do crânio em relação ao cérebro, vascularização do SNC e do liquor.
A monitorização da PIC é fundamental para garantir a adequada perfusão cerebral e impedir a hipertensão intracraniana (HIC) e seus efeitos deletérios. Quando em posição ventricular, permite a drenagem do liquor.
Deve-se sempre questionar o risco/benefício, visto que se trata de um procedimento invasivo. Por outro lado, diante da dificuldade diagnóstica – mesmo com disponibilidade de fundoscopia e tomografia de crânio, é útil para evitar iatrogenias.
Para o monitoramento adequado, deve-se obter o registro seriado da PIC, da pressão arterial média (PAM) e da temperatura corporal. No caso do controle térmico, caso o paciente apresente febre, pode-se seguir o protocolo de alternar doses de Dipirona sódica (1.000 mg EV) e Paracetamol (500 mg VO/SNE) a cada 3 horas; se necessário, e na ausência de contraindicações, associar AINE (ex.: Naproxeno 250 mg via SNE até de 6/6 horas), além de medidas gerais (colchão térmico, compressas frias).
PPC = PAM – PIC.
Valor > 60 mmHg:
Indica uma adequada perfusão cerebral.
Realizado rotineiramente nos principais centros de diagnóstico para avaliar a velocidade de fluxo sanguíneo cerebral. A utilização desse método está diretamente dependente a associação com outros exames complementares.
É uma forma não invasiva, rápida e segura de avaliação cerebrovascular – reatividade vasomotora cerebral, teste para detecção de êmbolo e teste com solução salina agitada para detecção de comunicação venoarterial.
Essa medida é indicada para avaliar o balanço entre consumo/oferta cerebral. O aumento do consumo em relação à oferta provoca uma redução da relação da SjO 2 .
O uso desse tipo de monitorização deve ser associado a outros tipos de monitorização, como PIC, potenciais evocados e/ou monitorização da PAM, pois é um método impreciso e que retrata a oxigenação global do paciente.
Realiza-se essa medida utilizando um cateter localizado diretamente no bulbo da veia jugular interna. Aplicação da fórmula de Flick:
TMC = FSC x CaVO
2
.
Em que: TMC, Taxa metabólica cerebral; FSC, Fluxo sanguíneo cerebral; CaVO
2
, Diferença arteriovenosa de O
2
cerebral.
Oximetria cerebral
:
Avaliação não invasiva da oxigenação cerebral utilizando-se um sensor sobre a pele na região frontal, para quantificar a saturação venosa central (SvcO
2
).
Não foi estabelecido um valor de normalidade, sendo sua principal finalidade a detecção imediata das variações de oxigenação cerebral – que podem ser, no ambiente de CTI, secundárias à ventilação mecânica, drogas vasoativas, vasoplegia e edema cerebral.
Microdiálise:
Trata-se de uma técnica de inserção de um cateter com uma membrana semipermeável, em geral no córtex frontal. Utilizada para avaliar a concentração de solutos nas células cerebrais – glicose, piruvato, lactato, glicerol, adenosina, xantina e neurotransmissores (glutamato, aspartato e GABA).
Melhor marcador:
Relação lactato/piruvato, que avalia a injúria isquêmica secundária.
Não possui valores de normalidade determinados. Entretanto, pode ser utilizado para correlacionar o desenvolvimento de isquemia e convulsões em AVE isquêmico, hemorragia meníngea, trauma e epilepsia, sendo sua principal indicação a monitorização de pacientes com TCE e necessidade de monitorização da pressão intracraniana (detecção de lesões secundárias).
Avaliação da pressão parcial de O
2
(PcO
2
) cerebral:
Fornece dados sobre o O
2
local, sendo utilizado para determinação de prognóstico após períodos prolongados de hipoxia.
O eletrodo é colado sobre a região do cérebro que se deseja verificar.
Valores de referência ainda não decididos, com estudos em andamento.
USG do nervo óptico:
Utilizada como método não invasivo da aferição da PIC. Sua utilidade foi verificada e sua correlação com a PIC foi
comprovada: diâmetro da bainha óptica: se < 5,8 mm, representa PIC < 20 mmHg.
Através da variação da bainha do nervo óptico, podemos também avaliar se as medidas para redução da PIC estão sendo eficazes.
Revisão:
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