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Suporte Nutricional

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A nutrição adequada é um processo crucial na melhora do prognóstico do paciente em estado crítico que impacta diretamente os desfechos clínicos, como redução de infecções, mortalidade e tempo de internação. Alguns dos pontos a serem discutidos nas visitas multiprofissionais são: avaliação do estado nutricional, possibilidade de instituição de dieta e vias de administração, alvos proteico e calórico, além de tolerância da formulação prescrita.

Recomenda-se t riagem nutricional a pacientes internados em unidade de terapia intensiva (UTI) em até 48 horas, especialmente se a duração da internação prevista for superior a 2 dias. O objetivo é reconhecer pacientes com desnutrição inicial ou já desnutridos, visando dar início à terapia nutricional precoce. As principais ferramentas para esse objetivo são o Nutrition Risk in Critically Ill (NUTRIC) e o Nutritional Risk Screening (NRS-2002).

A a valiação nutricional , realizada nas primeiras 48 horas da admissão hospitalar, deve ser repetida a cada 7 a 10 dias. As principais ferramentas para essa finalidade são o Global Leadership Initiative on Malnutrition (GLIM), a Academy of Nutrition and Dietetics-American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (AND-ASPEN [cms-watermark] ) e a Avaliação Subjetiva Global (ASG).

Biomarcadores tradicionalmente associados à desnutrição (albumina, pré-albumina e transferrina) apresentam restrições diante de doença crítica e não devem ser utilizados para avaliação nutricional.

Medidas antropométricas usadas no paciente em estado crítico agudo podem sofrer variações se houver edema, mas podem ser usadas para acompanhamento ao longo de reavaliações do estado nutricional.

Após início da dieta pela via oral (VO), a tolerância alimentar deve ser constantemente reavaliada em pacientes em estado crítico, para evitar subnutrição ou sobrecarga nutricional. A seguir serão descritas algumas características dos tipos de dieta VO. É importante esclarecer que os nomes ou consistências dessas dietas podem variar em diferentes serviços.

Dieta livre: Indicada para pacientes sem necessidade de alterações em seu regime alimentar comum e quando não há interferência por parte da patologia na digestão, no metabolismo ou consumo do alimento. Todos os alimentos são permitidos, preparados por qualquer uma das maneiras existentes, e na frequência de 3 a 6 vezes/dia.

Dieta branda: Indicada para a transição entre a dieta pastosa e a livre, visto que é composta de alimentos de fácil digestão e consumo. Também direcionada para pacientes com alteração na motilidade do trato gastrintestinal e dificuldade de mastigar. Todos os alimentos são permitidos, desde que cozidos, na frequência de 5 a 6 vezes/dia.

Dieta pastosa: Indicada para pacientes com dificuldade no processo mecânico de deglutição, ausência de dentes, patologias do trato gastrintestinal ou aquelas que aumentem a frequência respiratória ou cardíaca. Todos os alimentos são permitidos, desde que cozidos e mecanicamente reduzidos a pedaços muito pequenos, pastosos, evitando-se aqueles que causem distensão intestinal, flatos e cereais integrais. Frequência de 5 a 6 vezes/dia.

Dieta líquida: Indicada para pacientes que necessitem do menor trabalho possível do trato gastrintestinal. Apresenta baixo valor nutritivo e, por isso, deve ser utilizada pelo menor tempo possível. Se não for viável, deve-se adicionar suplementação vitamínica e/ou proteico-calórica. Exemplos: chás, gelatina, sucos e sopa líquida (com ou sem leite e seus derivados). Frequência ≥ 6 vezes/dia.

Dieta líquida completa: Indicada para preparo de exames e de cirurgias. Reiniciar alimentação VO e repouso do trato gastrintestinal. Uso de líquidos claros, como água, caldo de legumes e carne, além de gelatina. Frequência ≥ 6 vezes/dia.

Quando não for possível a nutrição VO em até 24 a 48 horas, a nutrição enteral (NE) é recomendada como a modalidade preferida para pacientes em estado crítico com trato digestivo funcionante. O início precoce da NE associa-se à redução da mortalidade e das complicações infecciosas.

Esse tipo de nutrição tem como ideia principal o fornecimento de nutrientes adequados quando o paciente não pode recebê-lo por via oral. Basicamente consiste em infundir um alimento líquido por meio de sonda/cateter enteral ou gástrico, com o objetivo de realizar a manutenção adequada dos órgãos e sistemas. Pode incluir, algumas vezes, fórmulas com suplementação ou substitutos de refeições.

    Vantagens:
  • Preserva o trofismo e a função intestinal;
  • Reduz o risco de translocação bacteriana e infecções;
  • Menor incidência de disfunções metabólicas e baixo custo em relação à nutrição parenteral (NP).
    Indicações:
  • Disfagia;
  • Alteração do nível de consciência;
  • Incapacidade de ingestão oral;
  • Gastroparesia, pancreatite ou trauma facial/esofágico;
  • Necessidade de suporte nutricional prolongado.
    Contraindicações:
  • Choque não controlado, especialmente quando associado a hipoxemia, acidose grave e instabilidade hemodinâmica grave;
  • Hemorragia digestiva alta não controlada;
  • Isquemia intestinal ou suspeita de isquemia intestinal;
  • Obstrução intestinal mecânica completa;
  • Síndrome compartimental abdominal;
  • Fístula de alto débito sem condição de acesso enteral distal à fístula;
  • Resíduo gástrico elevado (> 500 mL em 6 horas) persistente.

Pacientes em uso de drogas vasoativas (DVA) podem iniciar dieta enteral, desde que exista estabilidade hemodinâmica, ou seja, choque controlado, com DVA em baixa dose ou em desmame. Não existe valor de corte "formal" estabelecido na literatura para liberar o início de dieta enteral. Sugere-se que a dieta seja iniciada em infusão baixa (10 a 20 mL/hora) com acompanhamento para sinais clínicos de intolerância (dor ou distensão abdominal, vômito). Não se orienta a administração dessa dieta em pacientes com instabilidade hemodinâmica (choque não controlado), hipoxemia ou acidose graves.

Não existe contraindicação para fornecimento de dieta em pacientes em posição prona. A dieta pode ser fornecida em posição gástrica ou pós-pilórica.

Cálculo dos Alvos Calórico e Proteico

Os principais guidelines recomendam a utilização da calorimetria indireta (CI) para estimar o gasto energético de repouso ( GER ) e planejar a oferta calórica para pacientes em estado crítico que necessitem de terapia nutricional. Seu objetivo é evitar tanto a hipoalimentação como a hiperalimentação. O método deve ser empregado sempre que disponível. Equações preditivas são consideradas imprecisas para esses pacientes, podendo subestimar ou superestimar as suas necessidades energéticas.

No entanto, o método não é amplamente disponível. Na ausência da CI, as equações preditivas devem ser utilizadas para cálculo do GER. Algumas das fórmulas validadas para pacientes em estado crítico são: equação de Harris-Benedict, equação de Penn State University e American Society for Parenteral and Enteral Nutrition-Society of Critical Care Medicine .

Apesar de ser preconizado o início da dieta enteral em até 48 horas, recomenda-se um início lento com cerca de 6 a 15 kcal/kg, com progressão até o alvo de 25 a 30 kcal/dia até o 7 o dia de internação.

Estudos recentes demonstraram que o início lento, com alvos mais baixos de oferta nos primeiros 7 dias (6 x 25 kcal/kg de peso ao dia), são seguros e promovem menor incidência de vômito, diarreia, isquemia intestinal e disfunção hepática (estudo NUTRIREA-3).

Ainda é incerta a quantidade ideal de proteínas e como monitorar esse fornecimento. Os últimos guidelines mantiveram uma recomendação de ingestão proteica entre 1,2 a 2 g proteína/kg/dia.

Início da Dieta

A administração da dieta enteral pode ser realizada em posição gástrica ou pós-pilórica. Os principais guidelines sugerem a posição gástrica como padrão pela maior facilidade de posicionamento, que exime a necessidade de endoscopia. Deve-se considerar o posicionamento pós-pilórico para pacientes com alto risco de aspiração, com intolerância à dieta sem melhora com procinéticos, ou se contraindicada clinicamente a alimentação via gástrica.

Não deve ser realizada medida de resíduo gástrico. Estudos demonstraram que essa prática atrasa a obtenção da meta calórica e não promove redução da incidência de pneumonia associada aos cuidados de saúde. A avaliação da tolerância à dieta deve ser feita clinicamente, por história e exame físico (dor, distensão abdominal ou vômito).

Alguns pacientes têm maior risco de aspiração, sendo necessárias vigilância intensiva da tolerância à dieta e progressão mais lenta.

    Fatores de risco para aspiração:
  • Incapacidade de proteger vias respiratórias;
  • Déficits neurológicos;
  • Refluxo gastresofágico;
  • Indicação de manutenção da cabeceira a 0°;
  • Quando houver relação enfermagem-paciente inadequada.

Situações Especiais

Lesão renal aguda (LRA) e hemodiálise: A recomendação de proteínas para pacientes hipercatabólicos com LRA sem terapia de reposição renal (TRR) é de 1,3 a 1,5 g/kg/dia. Durante TRR intermitente, a recomendação é de 1,5 g/kg/dia. Durante TRR contínua, a orientação é de 1,7 a 2,5 g/ kg/dia. Proteínas não devem ser restringidas para pacientes hipercatabólicos com objetivo de evitar ou retardar o início de TRR.

Pós-operatório: A introdução de dieta VO favorece a não ocorrência de paresia gástrica, a manutenção do peristaltismo intestinal, além de reduzir a taxa de complicações pós-operatórias (ex.: infecção). A introdução precoce de dieta oral ou enteral no pós-operatório imediato não coloca em risco nenhuma anastomose feita em condições adequadas, mesmo em anastomose de estômago ou de reto. A nutrição precoce reduz a incidência de deiscência de anastomose.

Politrauma: Nas fases precoces, as metas calórico-proteicas devem ser alcançadas progressivamente, assim como no paciente em estado crítico. Após a fase aguda, ao longo da fase de recuperação, é necessário reajuste do plano nutricional. As ofertas calóricas podem alcançar 40 kcal/kg/dia e as necessidades proteicas até 2 a 2,5 g/kg de peso. As fórmulas com glutamina ou outros imunonutrientes devem ser consideradas no trauma, com potencial benefício em cicatrização e nos desfecho clínico em alguns subgrupos, como no traumatismo cranioencefálico.

Grandes queimados: Desafio específico para o suporte nutricional. As necessidades calóricas da população de grandes queimados variam diariamente conforme fase da doença, reabordagens cirúrgicas e intercorrências infecciosas. Um estudo com 46 fórmulas preditivas para gasto energético não encontrou uma boa correlação de nenhuma delas com o gasto energético real. Pacientes com mais de 20% de superfície corporal queimada devem ter sua meta energética idealmente definida por CI, com medidas repetidas semanalmente. A meta proteica sugerida é de 1,5 a 2 g proteína/kg de peso/dia. Com base nos estudos publicados até o momento, não há evidência para uso de glutamina nessa população.

    Obesidade: Esses pacientes são mais suscetíveis a complicações associadas à hiperalimentação (ex.: hiperglicemia e esteatose hepática). Nesse sentido, a dieta hipocalórica e hiperproteica objetiva minimizar essas complicações e favorecer um anabolismo adequado, preservando a massa magra. Em relação ao a lvo de proteínas , devem ser fornecidos 2 g de proteína por kg de peso ideal por dia (se índice de massa corporal [IMC] entre 30 e 40 kg/m²), ou, até 2,5 g por kg de peso ideal por dia (se IMC > 40 kg/m²). Além disso, em relação ao alvo calórico, deve-se objetivar:
  • IMC entre 30 e 50 kg/m²: 11 a 14 kcal/kg/dia do peso real ;
  • IMC > 50 kg/m²: 22 a 25 kcal/kg/dia do peso ideal para IMC eutrófico.
Diarreia: Inicialmente é necessário que o paciente formalmente seja enquadrado nos critérios para caracterização de diarreia, definidos como : dois a três episódios de fezes líquidas por dia ou > 250 g de fezes de consistência totalmente líquida por dia. A dieta não deve ser interrompida de forma automática em função da diarreia. Orienta-se que a dieta seja mantida enquanto é investigada a possível etiologia do quadro. A p rincipal causa de diarreia na UTI é medicamentosa. São comumente envolvidos: antibióticos de amplo espectro, inibidores de bomba de prótons, agentes procinéticos, agentes redutores da absorção de glicose, anti-inflamatórios não esteroides, inibidores de recaptação de serotonina, agentes laxativos e preparações líquidas contendo sorbitol. Considere também outras possíveis causas osmóticas, como fórmulas com alto teor de carboidratos fermentáveis (FODMAPS, do inglês fermentable oligo-, di-, mono-saccharides and polyols ). A maioria dos quadros de diarreia é leve e autolimitada. Nos casos mais graves, é necessário investigar causas infecciosas, incluindo a pesquisa de toxinas para Clostridium difficile . Além disso, devem-se avaliar os eletrólitos séricos e se há desidratação. Apenas ao final da análise, ajuste a fórmula enteral, caso necessário, incluindo mudanças na composição de fibras ou na osmolalidade da composição.

Deve-se usar a via enteral sempre que o trato gastrintestinal for funcional, pois ela está associada a uma série de vantagens. A NP é reservada para casos em que a via enteral é contraindicada ou insuficiente para alcançar as metas nutricionais. Em geral, considera-se iniciar a NP quando não existe previsão de implementação da dieta enteral, após os 7 dias iniciais da internação. Ainda assim, mesmo nos pacientes impossibilitados de utilizar a via enteral, deve-se iniciar a NP somente após alcançada estabilidade clínica/hemodinâmica.

Não existem evidências de superioridade clínica entre a NP "pronta para uso" e a NP individualizada. O custo da NP personalizada é maior que a NP padrão.

    Principais indicações (respeitando as observações anteriores):
  • Obstrução mecânica do trato gastrintestinal;
  • Peritonite não controlada;
  • Isquemia intestinal;
  • Íleo prolongado;
  • Fístulas intestinais de alto débito;
  • Síndrome do intestino curto;
  • Doenças inflamatórias intestinais graves ativas.
    Complicações:
  • Metabólicas: hiperglicemia, síndrome de realimentação (hipofosfatemia, hipocalemia, hipomagnesemia), hipertrigliceridemia;
  • Doença hepática associada à NP: elevação das enzimas hepáticas e colestase;
  • Infecções relacionadas ao cateter;
  • Complicações relacionadas ao cateter: trombose, pneumotórax, hemotórax.

Durante a NP, é necessário monitoramento diário de eletrólitos (incluindo fósforo), além de avaliação seriada de colesterol total e frações, triglicerídios, função hepática e marcadores de lesão hepatocelular.

    Composição:
  • Lipídios: Contribuem com cerca de 20 a 30% das calorias totais. Em geral, as emulsões lipídicas contêm óleo de soja, fosfatídios de ovo e glicerina. Representam uma parte considerável do fornecimento calórico não proteico. As emulsões de lipídios são utilizadas para prevenir deficiência de ácidos graxos e como fonte calórica. No paciente em estado crítico, cerca de 15 a 30% das calorias devem ser oferecidas na forma de lipídios. Suspender a administração da emulsão lipídica, se os níveis séricos de triglicerídios estiverem acima de 400 mg/dL;
  • Eletrólitos: Incluem sódio, potássio, cálcio, magnésio e fosfato, ajustados conforme as necessidades metabólicas e clínicas do paciente;
  • Carboidratos: Representam cerca de 50 a 60% das calorias totais. Geralmente fornecidos na forma de dextrose, que é a principal fonte de energia. A concentração desse monossacarídio pode variar, mas frequentemente é ≥ 10% para garantir a estabilidade da mistura;
  • Proteínas: Essenciais para a síntese proteica e manutenção da massa muscular. Correspondem a aproximadamente 15 a 20% das calorias totais, fornecidas como aminoácidos. A quantidade de nitrogênio é ajustada para atender às necessidades proteicas do paciente;
  • Vitaminas e oligoelementos: Essenciais para variadas funções metabólicas e devem ser incluídos para evitar deficiências nutricionais. Se não forem incluídos na bolsa de NP, devem ser suplementados separadamente na prescrição do paciente.
    Autorias principais:
  • Bernardo Schwartz E. Mello (Cirurgia Geral e Medicina Intensiva);
  • Gustavo Guimarães Moreira Balbi (Clínica Médica e Reumatologia);
  • Guilherme Grossi Lopes Cançado (Gastroenterologia e Hepatologia).

Revisão: Vinicius Zofoli (Terapia Intensiva).

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