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Definição: A oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) é uma forma de suporte circulatório utilizada em pacientes com insuficiência cardíaca, insuficiência respiratória ou ambas, nos quais as terapias convencionais foram esgotadas.
O sangue de uma veia é removido do corpo por uma cânula que o direciona através de uma bomba a uma membrana para ser oxigenado. Enquanto isso, o CO
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é removido da corrente sanguínea e o dispositivo devolve, então, ao corpo, o sangue pela veia ou artéria, a depender da modalidade utilizada em questão.
A oxigenação é controlada por meio da frequência de fluxo; e a eliminação de CO 2 , pelo fluxo contracorrente da membrana.
Venovenosa (VV): Extrai o sangue da veia cava inferior e após a oxigenação desemboca o sangue na veia cava superior, para, então, seguir para o coração. A ECMO VV é um "pulmão artificial" que fornece oxigenação e remove o dióxido de carbono. É usado em casos de insuficiência respiratória grave e requer um coração nativo funcional, pois não fornece nenhum suporte cardíaco. O interesse por essa modalidade de suporte respiratório tem aumentado desde a pandemia de H1N1 no ano de 2009 e no manejo da SARS-CoV-19.
Venoarterial (VA): Extrai o sangue da veia cava inferior e o devolve à artéria aorta inferior. Além de oxigenar o sangue, o dispositivo ainda fornece um débito cardíaco suplementar, sendo muito útil em disfunções ventriculares. O objetivo do suporte mecânico na insuficiência cardíaca é preservar a perfusão de órgãos-alvo, permitindo o repouso e a cicatrização miocárdica. Hoje em dia, tem havido mais interesse em ECMO VA, em razão de equipamentos modernizados e experiência.
Venovenosa-arterial (ECMO V-VA procedimento híbrido): Alguns pacientes podem ainda evoluir com disfunção orgânica do pulmão e disfunção concomitante do coração, ou com disfunção cardíaca grave e recuperação do coração antes do pulmão, podendo iniciar no modo híbrido ou migrar para este.
A ECMO V-VA tem o mesmo princípio da ECMO VV, porém, durante a devolução do sangue oxigenado ao corpo, ocorre um ligeiro desvio de fluxo sanguíneo em direção à artéria aorta distal através de uma peça T no circuito de ECMO. Assim, o dispositivo coleta o sangue venoso da veia cava inferior e devolve o sangue oxigenado à veia cava superior e à artéria aorta distal.
O fluxo arterial é menor que na ECMO VA, sendo esta modalidade indicada para pacientes com disfunção ventricular mais branda.
Quais as indicações respiratórias para ECMO?
Sangramento de difícil controle ou prognóstico ruim da doença de base podem se enquadrar como contraindicações relativas, devendo ser avaliados caso a caso.
Os melhores resultados da ECMO são alcançados quando esta é instituída com até 7 dias de intubação.
Antes do implante do dispositivo, o paciente deve ser anticoagulado. As cânulas, em geral, são colocadas via percutânea pela técnica de Seldinger. É aconselhável o implante por uma equipe especializada em cirurgia cardíaca ou vascular, pois as cânulas são calibrosas.
No modo VV, a cânula de drenagem geralmente é implantada na veia femoral e deve ser posicionada próxima à veia cava. Já a segunda cânula, de infusão, deve ser preferencialmente implantada na veia jugular interna e ser posicionada próxima ao átrio direito.
No modo VA, a cânula de drenagem deve ser inserida na veia femoral ou na jugular interna, e ser posicionada na veia cava ou no átrio direito, respectivamente. A via de infusão, por sua vez, deve ser colocada na artéria femoral direita, em razão do fácil acesso.
A principal complicação do acesso arterial femoral é a isquemia do membro ipsilateral, caso a ECMO seja necessária por períodos prolongados. Esse problema pode ser contornado com o implante de uma cânula distal à cânula arterial, para irrigar o membro utilizado para a ECMO.
Caso não seja possível utilizar a artéria femoral, as alternativas disponíveis são a artéria carótida comum direita ou a artéria subclávia direita com predileção pela subclávia, por ser menos suscetível a complicações e permitir a deambulação por parte do paciente.
A anticoagulação deve permanecer contínua; é aconselhável utilizar Heparina em bomba e manter tempo de ativação do coágulo (TCA) entre 180-210 segundos ou uma relação do PTT de 1,5.
Caso ocorra sangramento, esses valores podem ser reduzidos e a infusão de Heparina pode ser minimizada, na suspeita de deficiência de antitrombina 3. Após confirmação do quadro, deve-se proceder à reposição com plasma fresco.
Há consumo de plaquetas pelo circuito da ECMO, que devem ser mantidas em contagem > 50.000/microlitro. A hemoglobina deve ser mantida > 12 mg/dL.
Como a ECMO oferece suporte pulmonar, os parâmetros ventilatórios do respirador devem ser reduzidos, a fim de reduzir volutrauma, ou barotrauma, e intoxicação por O 2 . É aconselhável manter pressão de pico ≤ 20 mmHg e FiO 2 < 0,5.
Fluxo sanguíneo: O fluxo sanguíneo é ajustado na ECMO, com a intenção de melhorar a oxigenação dos tecidos. Deve, portanto, ser alto o suficiente para manter perfusão e saturação venosa adequadas, e não tão alto a ponto de manter pré e pós-carga em limites aceitáveis.
Diurese: Caso o paciente, por motivos diversos, não tenha capacidade de produzir urina que reduza a sobrecarga de volume, a ultrafiltração pode ser acrescida facilmente na máquina de ECMO.
PA e função ventricular esquerda: Devem ser monitoradas constantemente, por isso é aconselhável linha arterial on-line e ecocardiogramas seriados. Caso a função ventricular não seja mantida, a despeito do uso de inotrópicos e do balão intra-aórtico, a descompressão ventricular esquerda deve ser procedida, a fim de evitar hemorragia pulmonar.
As complicações durante o tratamento da ECMO são frequentes. As principais complicações relatadas são: insuficiência da membrana de oxigenação, hemorragia intracraniana (HIC), lesão renal aguda (LRA), infecções, isquemia de membros e hipóxia diferencial.
Sangramento: Trata-se da principal complicação da ECMO, podendo alcançar até 50% dos pacientes e ser um fator ameaçador à vida.
As principais causas são a própria anticoagulação, necessária ao procedimento, e a perda de plaquetas no circuito. Uma técnica cirúrgica de implantação do dispositivo meticulosa, aliada à monitorização intensiva do TCA ou PTT são fatores que contribuem para prevenção do sangramento.
Sangramentos em feridas ou cavidades que ameacem a vida devem ser explorados cirurgicamente. A suspensão da Heparina ou o uso de inibidores do plasminogênio podem ser úteis, e, ao mesmo tempo, perigosos, em razão do risco de trombose no circuito.
Tromboembolismo: Segunda maior complicação da utilização da ECMO, consiste em formação de trombo no circuito do sistema e em embolização desse trombo para algum local do organismo. Essa complicação costuma ser devastadora e pode atingir até 16% dos pacientes em ECMO.
Uma anticoagulação bem realizada e a inspeção constante do circuito são fundamentais para a prevenção de tais eventos. O aumento da pressão sobre a membrana de oxigenação pode ser útil no diagnóstico de trombos no sistema.
Complicações relacionadas com o acesso vascular: Dado o alto calibre das cânulas, podem ocorrer lesões nos vasos e sangramentos locais. As complicações são raras, e a experiência da equipe que implanta o equipamento é de fundamental importância na prevenção.
Hemorragia pulmonar: Ocorre na ECMO venoarterial quando o VE não consegue ejetar o sangue. A consequência é estase retrógrada e hemorragia pulmonar. Ocorre, em geral, quando a pressão atrial esquerda excede 25 mmHg. A descompressão é necessária, criando uma comunicação interatrial.
Autoria principal: Gabriel Quintino Lopes (Clínica Médica e Cardiologia).
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