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Definição: A cintilografia do miocárdio envolve a infusão venosa de um radiotraçador capaz de emitir raios gama que serão capturados e quantificados por um colimador e convertidos em sinais elétricos por tubos fotomultiplicadores, para então serem processados. Em paralelo a esse processo, imagens tomográficas do coração (SPECT) são realizadas a fim de serem combinadas com as imagens de perfusão. O resultado final são várias imagens tomográficas do coração, evidenciando a distribuição do radioisótopo no órgão.
Sinônimos: Cintilografia de perfusão miocárdica; CPM c/ SPECT; cintilografia do miocárdio no repouso; cintilografia do miocárdio no esforço ou com Dipiridamol; cintilografia do miocárdio com tálio-201 (para avaliação de viabilidade miocárdica).
O exame é realizado em duas etapas, esforço e repouso, podendo haver uma terceira etapa para a visualização da viabilidade.
Na incapacidade de realizar exercício, o Dipiridamol pode ser uma via alternativa, simulando o efeito do esforço.
Mama grande ou obesidade podem gerar artefatos nas imagens (artefatos de atenuação). Para minimizar esses artefatos, pode-se obter imagens em decúbito ventral.
As contraindicações ao teste com esforço são as mesmas do teste ergométrico . Infarto agudo do miocárdio ou angina instável de alto risco são contraindicações absolutas. O exame também não indicado na gestação, uma vez que não se sabe os efeitos danosos da radiação ao feto.
Avaliação de viabilidade miocárdica: O miocárdio viável pode ser analisado a partir da injeção do tálio-201. O tálio se comporta como o potássio, se internalizando nas células saudáveis e não penetrando nas cicatrizes, tem meia-vida de 73 horas e um espectro de energia relativamente baixo (80 keV).
O
clearance
do tálio em um miocárdio saudável é mais rápido em relação ao miocárdio com atividade reduzida, o que faz com que imagens tardias (3 a 4 horas ou 24 horas após injeção) ainda capte o radiotraçador indicando miocárdio viável.
Análise de isquemia miocárdica: Duas limitações do tálio (meia-vida longa que limita a quantidade de infusão e espectro de energia relativamente baixo) levaram ao desenvolvimento de radiotraçadores marcados com tecnécio-99m. Esse radioisótopo tem meia-vida de seis horas e espectro de energia de 140 keV.
Com essas propriedades, os traçadores marcados com tecnécio acabam visualizando melhor o miocárdio isquêmico. A isquemia é definida por uma diferença de captação do radiotraçador em comparação entre o estresse e o repouso.
Protocolos de avaliação de isquemia e viabilidade: Existem basicamente três protocolos de avaliação miocárdica. O primeiro é realizado em um único dia. Imagens com o paciente em repouso são feitas após a injeção de um radiotraçador marcado com tecnécio. Após o período de meia-vida do tecnécio, são adquiridas outras imagens, porém injetando o radiotraçador no pico do esforço.
Compara-se, então, as imagens a fim de avaliar a perfusão miocárdica nos dois momentos. O segundo protocolo é semelhante ao primeiro, só que realizado em dias diferentes. O terceiro protocolo compreende a injeção de tálio concomitantemente para a realização de imagens tardias e avaliação da viabilidade miocárdica.
Interpretação do exame: A interpretação do exame consiste em observar a captação dos radiotraçadores pelo tecido miocárdico nos diferentes momentos do exame. Hipocaptações visualizadas na fase de estresse, que revertem na fase de repouso, demostram isquemia. Hipocaptações persistentes podem demonstrar fibrose ou miocárdio com baixa atividade (melhor analisados com o protocolo de tálio).
A intensidade da captação e a quantidade de miocárdio envolvido devem estar descritas no laudo de um exame bem realizado. Elas dão noção de prognóstico e risco de eventos futuros. Para isso, o coração é dividido em 17 segmentos e três cortes, e pode ser avaliado por análise visual ou computacional. O segmento hipocaptante pode dar, ainda, uma noção de qual artéria está acometida.
A hipocaptação acontece por uma obstrução fixa da coronária, que prejudica o aporte sanguíneo durante o estresse, condição na qual o miocárdio precisa de mais sangue. Nos exames onde o estresse é mimetizado farmacologicamente, há um aumento de fluxo em coronárias saudáveis pela dilatação que as drogas promovem. Isso não ocorre em trechos ou artérias doentes, evidenciando um déficit de fluxo.
Outras variáveis isquêmicas do teste: Outras variáveis que não a hipocaptação podem indicar isquemia durante o exame. Uma delas é a dilatação isquêmica do VE durante a fase de exercício em relação a fase de repouso. Postula-se que a fisiopatologia envolvida esteja relacionada a uma isquemia difusa pós-estresse.
Uma maior captação pulmonar durante a fase de estresse, não presente na fase de repouso, também pode indicar isquemia e está relacionada a pacientes multivasculares com elevação de pressão pulmonar capilar e disfunção isquêmica de VE durante o exercício.
Gated-SPECT: Uma ferramenta que permite avaliar tanto a função ventricular esquerda quanto a perfusão ventricular. Faz-se a avaliação dos limites da parede do VE em vários batimentos para calcular a função ventricular. É importante a análise da função ventricular tanto em repouso quanto no esforço. A queda da função do VE é indicativo de isquemia, porém funções previamente deprimidas podem ser decorrentes de insuficiência cardíaca prévia.
Imagem planar: A imagem planar se propõe a sobrepor os três eixos cardíacos. As vantagens do método são a pouca quantidade de processamento, a menor influência de artefatos, a menor interferência de movimentação do paciente e a rapidez na aquisição das imagens. Porém, com a sobreposição das imagens, fica mais difícil analisar hipocaptações menos intensas, além de dificultar a área acometida pela captação.
Na prática, esse método pode ser usado quando o paciente não tolera grandes períodos em decúbito para a aquisição de imagens.
Estresse farmacológico: Quando o paciente só é capaz de atingir um esforço submáximo ou existir uma limitação física que contraindique o exercício, o estresse farmacológico pode ser uma opção plausível. Tanto o Dipiridamol quanto a Adenosina produzem vasodilatação em vasos saudáveis, o que não ocorre em vasos estenóticos. Isso produz uma heterogeneidade de fluxo, produzindo imagens semelhantes às produzidas no exercício.
A grande desvantagem é a perda das variáveis associadas ao esforço físico, como clínica de isquemia (dor precordial), alterações hemodinâmicas e eletrocardiográficas. Devido ao seu alto índice de efeitos colaterais (dispneia, dor torácica, BAV), a adenosina é pouco usada como agente estressor.
O Dipiridamol pode provocar broncoespasmo grave com mecanismo inespecífico mediado pelo receptor de adenosina, portanto pacientes com doença pulmonar grave não devem utilizar esse fármaco.
Autoria principal: Gabriel Quintino Lopes (Clínica Médica e Cardiologia).
Revisão: Juliana Avelar (Clínica Médica e Cardiologia).
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