Definição: Descompensação aguda da glicemia sérica em pacientes portadores de diabetes melito (DM) caracterizada por acidose metabólica e hiperglicemia. É caracterizada por hiperglicemia (> 200 mg/dL), acidose metabólica (pH venoso < 7,3 ou bicarbonato < 18 mEq/L) e cetonemia (BOHB > 3 mmol/L) ou cetonúria moderada a intensa. Pode ocorrer no diabetes tipo 1 e, com menor frequência, em adolescentes com diabetes tipo 2.
A cetoacidose diabética (CAD) é um distúrbio do metabolismo dos carboidratos, proteínas e lipídios causado por uma deficiência absoluta ou relativa de insulina e pelo aumento dos hormônios contrarreguladores (glucagon, cortisol, hormônio do crescimento e catecolaminas), o que resulta em desidratação, acidose metabólica e distúrbios eletrolíticos e provoca hiperglicemia, lipólise e acidose metabólica.
A hiperglicemia é causada pela redução da ação periférica da insulina, o que leva ao aumento da secreção hepática de glicose e à redução de sua captação periférica.
Consequentemente, ocorrem aumento da osmolaridade sérica e surgimento de glicosúria e diurese osmótica. Combinados, esses fatores podem evoluir para desidratação e distúrbios eletrolíticos graves.
Além disso, a deficiência absoluta ou relativa de insulina, associada a intenso estado catabólico, promove lipólise e aumento da oxidação de ácidos graxos em corpos cetônicos, o que explica a origem da cetonemia encontrada nesses pacientes. Esse excesso de cetonas é responsável pela acidose metabólica característica da cetoacidose diabética.
A CAD pode ser a apresentação inicial do DM, portanto nem todos os pacientes acometidos referem diagnóstico prévio de DM.
Em bebês, o diagnóstico pode ser mais difícil, sendo possível notar hipoatividade, irritabilidade, perda de peso e desidratação.
Sintomas de instalação da CAD:
Fatores precipitantes: Questionar, na história clínica, fatores precipitantes identificáveis, em especial nos pacientes que já têm diagnóstico definido de DM:
Ao exame físico podem-se observar:
Hipotensão ocorre mais raramente, em fases mais avançadas da doença. Observam-se, ainda, hálito cetônico, sonolência ou torpor e febre (em casos de infecção associada).
É necessário pesar o paciente para comparar com o peso anterior e, assim, estimar o grau de desidratação.
Suspeita clínica: Pacientes com alteração do sensório, com ou sem sinais clínicos de acidose.
Culturas: Indicadas na suspeita de infecção, na dependência do foco infeccioso.
Radiografia de tórax: Indicada na suspeita de infecção pulmonar ou de foco desconhecido.
Para acessar o fluxograma de Cetoacidose Diabética na Emergência Pediátrica, acesse:
Hemograma completo: Pesquisar leucocitose, que pode ser indicador de infecção associada.
Pacientes com condições clínicas especiais e/ou risco social e/ou comorbidades:
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Internação hospitalar: É indicado que todos os pacientes com CAD sejam hospitalizados, principalmente aqueles que apresentam vômitos, não toleram líquidos por via oral e estão desidratados.
Internação em CTI: Pacientes com casos mais graves:
Monitorização clínica: Controle de sinais vitais, diurese e balanço hídrico, avaliação neurológica a cada 1-2 horas (ou mais frequente), a fim de determinar sinais de edema cerebral, por pelo menos 12 horas. A avaliação do nível de consciência deve ser feita pela escala de coma de Glasgow.
Monitorar glicemia capilar a cada hora enquanto o paciente estiver recebendo insulina venosa em infusão contínua. É recomendado o uso de uma folha de evolução, com anotações de hora em hora da evolução clínica e laboratorial, das medicações e dos fluidos utilizados.
Monitorização laboratorial: Colher a cada 2-4 horas no mínimo:
Monitorização da resposta ao tratamento: Cetonemia capilar à beira do leito ou gasometria venosa (pH) + glicemia capilar.
Objetivos do tratamento: Corrigir a desidratação, os distúrbios eletrolíticos, o desequilíbrio acidobásico e a hiperglicemia, além de diagnosticar e tratar fatores precipitantes, a fim de evitar complicações.
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Reposição de potássio: Uma vez iniciada a insulinoterapia, o potássio sérico se deslocará do espaço extra para o intracelular e seu nível sérico se reduzirá. Deve-se iniciar a reposição de potássio em pacientes com nível sérico de potássio normal ou baixo, na dose de 40 mEq/L, na etapa de manutenção da fluidoterapia, antes do início da insulinização.
A dose inicial pode ser reajustada de acordo com a evolução laboratorial, sempre visando a manter os níveis de potássio nos limites da normalidade. Se o potássio sérico estiver alto, aguardar o restabelecimento da diurese e a normalização da calemia para iniciar a reposição de insulina.
Suspensão de insulinoterapia contínua:
Antes da suspensão, realizar a primeira dose de insulina subcutânea (antes da refeição): 15-60 minutos para análogos de ação rápida e 1-2 horas para a insulina regular. Dose de insulina regular 0,1 unidade/kg SC pode ser usada a cada 2 horas, se necessário.
A primeira dose da insulina de ação lenta deve ser feita pelo menos 2 horas antes da suspensão do protocolo EV a fim de evitar hiperglicemia rebote (já que a insulina EV tem meia-vida muito baixa).
Algumas crianças mais velhas e adolescentes com
CAD
leve
podem apresentar melhora substancial após a fluidoterapia e a administração de insulina subcutânea (insulinas de ação rápida podem ser administradas a cada 1-2 horas, na dose de 0,1 unidade/kg); a avaliação intensiva da glicemia deve realizada para ajustar a dose da insulina com base na resposta clínica.
A insulina regular também pode ser utilizada nesse caso, a cada 4 horas, com ajuste da dose de acordo com a glicemia. O tratamento posterior pode ser realizado em casa, desde que o paciente tenha acesso à realização da glicemia capilar e da pesquisa de cetonúria (ou cetonemia) conforme prescrição médica/necessidade.
Além disso, o paciente deve estar tolerando a via oral e os cuidadores precisam ser instruídos para serem capazes de realizar os cuidados de uma criança ou de um adolescente diabético.
Esquema de insulinoterapia pós-CAD: Pacientes que já faziam uso de insulina devem retornar aos seus esquemas anteriores.
A insulina de ação intermediária ou prolongada é recomendada para uso basal, e a insulina de ação curta, para o controle glicêmico prandial.
Pacientes com DM tipo 1 recém-diagnosticado podem receber o seguinte esquema inicialmente, após melhora do quadro de CAD: uma dose diária total de insulina de 0,5 a 0,8 unidade/kg/dia, sendo 30-50% da dose diária total administrados como insulina basal de ação prolongada, geralmente à noite, em dose única, e o restante da dose diária total em doses fracionadas de insulina de ação rápida (insulina regular ou análogos de ação rápida) antes de cada refeição.
A primeira dose de insulina de ação prolongada deve ser realizada 2-4 horas antes da suspensão da insulinoterapia endovenosa a fim de se evitar hiperglicemia rebote. As doses serão ajustadas conforme monitorização da glicemia.
Maiores de 4 anos: 0,5 unidade/kg/dia de insulina NPH, SC, sendo 2/3 da dose ministrados pela manhã e 1/3 à noite;
Menores de 4 anos: Iniciar 0,3 unidade/kg/dia de NPH em dose única à noite;
Doses extras de insulina de ação rápida devem ser utilizadas de acordo com a monitorização da glicemia. Elevações glicêmicas ocorridas após a suspensão da insulinoterapia contínua deverão ser tratadas com insulina de ação rápida (insulina regular) ou ultrarrápida (insulina lispro ou aspart) na dose de 0,1 e 0,15 unidade/kg, respectivamente, por via SC.
Autoria principal: Dolores Silva (Pediatria pela UERJ).
Revisão: Gabriela Guimarães Moreira Balbi (Pediatria pela UFPR e Reumatologia Pediátrica pela UNIFESP/EPM).
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