Definição: Manifestação neurológica tardia da febre reumática, caracterizada por movimentos rápidos, involuntários e incoordenados, que se acentuam em situações de estresse e desaparecem durante o sono. Geralmente, acomete crianças e adolescentes entre 5 e 15 anos, podendo envolver os músculos da face, membros e tronco. O quadro é transitório, e pode durar de 6 meses a 2 anos, em média. Pode haver recorrência dos sintomas, mesmo na ausência de nova infecção. Também é conhecida como coreia reumática.
É considerada um critério maior no diagnóstico da febre reumática, e sua ocorrência isolada, mesmo na ausência de comprovação de infecção estreptocócica, tem o poder de diagnosticar retrospectivamente um episódio de febre reumática (como essa manifestação ocorre tardiamente, os níveis séricos de anticorpos podem ter se normalizado).
Acredita-se que os anticorpos produzidos contra o estreptococo beta-hemolítico do grupo A de Lancefield reagem de forma cruzada com neurônios do núcleo da base e desencadeiam alterações neuroquímicas e anatômicas do tecido neural.
Ocorre aumento dos níveis de dopamina e redução dos de ácido gama-aminobutírico (GABA). Além disso, é comum a associação com alterações de humor e síndromes psiquiátricas, o que sugere que a resposta ao estreptococo deva acometer outras áreas do cérebro.
Figura 1.
Atualmente, acredita-se que a Coreia de Sydenham é uma manifestação decorrente da reação cruzada dos anticorpos contra os estreptococos com neurônios dos núcleos da base, induzindo alterações que geram movimentos coreiformes
Quadro clínico: Pesquisar história de infecção estreptocócica recente (faringoamigdalite ou impetigo nos últimos 6 meses) e o tratamento realizado (e sua capacidade de erradicação do estreptococo). A coreia geralmente surge 6-8 meses após o quadro infeccioso.
É comum que a evolução seja lenta e precedida por mudanças comportamentais, como desatenção e irritabilidade; os movimentos involuntários, marca da doença, surgem alguns dias depois. Podem ocorrer, ainda, disartria, dificuldades na escrita e/ou na marcha, entre outros.
É importante caracterizar os movimentos, pesquisando se ocorrem involuntariamente, quais são os segmentos corporais acometidos, fatores de piora (realização de movimentos voluntários, situações de estresse), sintomas associados (disartria, dificuldade de realização de movimentos finos) e fatores de melhora (sono).
A coreia é frequentemente acompanhada por alterações comportamentais e sintomas psiquiátricos, como insônia, agitação, irritabilidade, alucinações e labilidade emocional. Os movimentos involuntários tendem a desaparecer durante o sono.
A realização de um exame físico minucioso (geral e neurológico) é essencial para o diagnóstico da doença. São avaliadas a marcha (instável ou oscilante), a execução de movimentos finos, as características do movimento involuntário - diferenciar entre coreia e outros tipos de movimentos involuntários (mioclonia, fasciculação, atetose e hemibalismo), voluntários (tiques) ou até paroxísticos (crises convulsivas) -, entre outros dados importantes.
Características da coreia: Movimentos involuntários, rápidos e incoordenados da face e membros, cuja intensidade aumenta com o estresse e desaparece durante o sono. Geralmente as manifestações são bilaterais e assimétricas, e estão associadas a certa hipotonia, reflexos profundos potencialmente reduzidos ou ausentes e sensibilidade preservada. Uma minoria de pacientes pode ter um quadro de hipotonia mais pronunciado, sendo esse quadro conhecido como coreia paralítica.
A coreia pode estar associada à artalgia e/ou à artrite; então, o exame articular deve ser realizado com atenção (geralmente associa-se a queixas). Além disso, o exame cardiovascular deve ser realizado cuidadosamente, pois pode haver envolvimento valvar pelo estreptococo, com endocardite (estenose valvar na fase aguda e insuficiência valvar na fase crônica) e/ou arritmias (cerca de 80% dos casos de coreia estão associados a lesões cardíacas).
O diagnóstico de coreia de Sydenham é clínico (coreia com hipotonia e labilidade emocional) na ausência de outras causas.
Inicialmente, devemos avaliar se o paciente teve contato com o estreptococo beta-hemolítico do grupo A
com teste para comprovar infecção estreptococócica (antiestreptolisina O
ou ASLO e anti-DNAse B)
e avaliação cardíaca (clínica, ecocardiograma e eletrocardiograma) pela possibilidade de acometimento valvar pela febre reumática. Como a coreia geralmente é uma manifestação tardia da febre reumática, os marcadores de infecção estreptocócica nem sempre estarão presentes, ou seja, mesmo na ausência de comprovação de contato com o estreptococo, o diagnóstico de Coreia de Sydenham pode ser feito (excluídas outras causas).
Para excluir outras causas de coreia, podemos solicitar:
FAN
(descartar lúpus eritematoso sistêmico), anticardiolipina IgM e IgG (descartar lúpus e síndrome do anticorpo antifosfolípide) e os demais anticorpos antifosfolípides, entre outros.
A avaliação do liquor e a realização de exames de neuroimagem podem ser necessárias em alguns casos (dúvida diagnóstica entre Coreia de Sydenham, encefalites e outras causas neurológicas). O liquor é normal na Coreia de Sydenham.
A coreia é uma manifestação tardia da febre reumática (FR), de evolução benigna e autolimitada na maior parte dos casos.
Quando estamos diante de casos leves a moderados, podemos indicar redução de estímulos (manter a criança em ambiente calmo, evitando-se estímulos externos), além de repouso. Benzodiazepínicos e Fenobarbital podem ser utilizados em alguns casos, como medida de suporte.
Nas formas graves, ou seja, quando os movimentos involuntários incoordenados estiverem interferindo nas atividades diárias da criança, o tratamento medicamentoso está indicado. Em alguns casos, a hospitalização pode ser necessária.
O Haloperidol pode ter como efeitos colaterais: Distonias, tremores, hipersonia, alteração de comportamento, vômitos, hipertonia e discinesias. Os movimentos coreicos costumam desaparecer em uma semana de terapia, sendo o tempo de terapia variável.
Já o Ácido valproico apresenta poucos efeitos colaterais; o mais comum é a toxicidade hepática em lactentes. Deve ser tomado por pelo menos 1 mês para prevenir recidivas. Os pacientes apresentam resposta mais lenta do que com o Haloperidol, geralmente de 2 semanas.
A Carbamazepina em altas doses pode provocar alucinações, distonias, arritmias cardíacas, ataxia, nistagmo, movimentos coreicos, convulsões, torpor ou coma como efeitos colaterais, porém eles desaparecem após queda do nível sérico da droga. Costuma ser administrada por tempo superior a 1 mês e apresenta redução dos sintomas com 2 semanas de tratamento.
Uso de corticoide: A Prednisolona pode ser indicada nos casos de coreia moderada a grave, na dose de 1-2 mg/kg/dia VO 1x/dia por duas semanas, com desmame nas 2-3 semanas seguintes. Imunoglobulina intravenosa e plasmaférese também já foram utilizadas em quadros graves de coreia, mas os dados disponíveis são mais limitados.
A profilaxia primária da Coreia de Sydenham é realizada através do tratamento adequado dos casos faringoamigdalite (ex.: Penicilina G benzatina em dose única ou Amoxicilina por no mínimo 10 dias). Realizar profilaxia secundária contra febre reumática (Penicilina G benzatina de 21/21 dias) em pacientes com Coreia de Sydenham. Para mais informações, acesse Febre reumática.
Autoria principal:
Dolores Silva (Pediatria pela UERJ).
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