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Dispepsia sem Endoscopia na UBS

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    Dispepsia é um grupo heterogêneo de sintomas definido como sensação de dor epigástrica com duração de pelo menos 1 mês, tipicamente em queimação, que pode estar associada a qualquer outro sintoma gastrointestinal superior, como: [cms-watermark]
  • Plenitude pós-prandial/empachamento; [cms-watermark]
  • Náusea; [cms-watermark]
  • Vômito; [cms-watermark]
  • Pirose; [cms-watermark]
  • Regurgitação; [cms-watermark]
  • Eructações; [cms-watermark]
  • Distensão abdominal. [cms-watermark]

Este conteúdo trata da condução dessa condição ainda sem investigação diagnóstica por endoscopia digestiva alta (EDA) na UBS, destacando o papel da estratégia de tratamentos empíricos conforme as recomendações.

    Existe a proposta de dividir a dispepsia em três tipos a partir das suas etiologias possíveis:
  • Dispepsia orgânica: Pacientes com dispepsia que apresentam alterações endoscópicas que justifiquem os sintomas;
  • Dispepsia funcional : Pacientes com dispepsia em que a EDA é normal e a pesquisa de H.pylori é negativa;
  • Dispepsia associada ao H. pylori : É um diagnóstico retroativo no caso de pacientes com dispepsia e EDA sem alterações que justifiquem os sintomas, porém com pesquisa para H. pylori positiva. Caso o paciente apresente melhora com o tratamento de erradicação, o diagnóstico é confirmado. Caso contrário, o paciente deve ser encaixado no grupo das dispepsias funcionais.

Dispepsia funcional é a causa mais comum de sintomas dispépticos, com uma frequência próxima a 50% dos casos. Ainda assim, é um diagnóstico de exclusão.

    Causas mais prováveis de dispepsia orgânica:
  • Doença do refluxo gastroesofágico (com ou sem esofagite);
  • Doença ulcerosa péptica;
  • Gastrites;
  • Duodenites (incluindo parasitoses);
  • Neoplasias gastrointestinais;
  • Doença biliar como a colelitíase;
  • Gastroparesia;
  • Pancreatite crônica;
  • Uso de medicamentos:
    • AINEs;
    • Ácido acetilsalicílico;
    • Bloqueadores de canais de cálcio;
    • Alendronato;
    • Orlistate;
    • Acarbose;
    • Diversos antibióticos. [cms-watermark]
  • Frequência: 20-40% da população adulta têm dispepsia;
  • Dispepsia é a causa de 2-5% das consultas na APS.

Tema de grande importância para o médico, visto que é na APS que, no geral, primeiramente chegam os pacientes com essas queixas, sendo importantes os esclarecimentos sobre indicação ou não indicação de exames complementares para a condução de cada caso. [cms-watermark]

Anamnese

    Importante explorar [cms-watermark] na história clínica:
  • Queixas dos pacientes:
    • Dor epigástrica em queimação; [cms-watermark]
    • Pirose; [cms-watermark]
    • Regurgitação; [cms-watermark]
    • Plenitude pós-prandial; [cms-watermark]
    • Saciedade precoce; [cms-watermark]
    • Náuseas; [cms-watermark]
    • Vômitos; [cms-watermark]
    • Eructações; [cms-watermark]
    • Distensão abdominal.
  • Duração, curso e gravidade dos sintomas;
  • Relação dos sintomas com o padrão alimentar:
    • melhora/piora com a ingestão alimentar;
    • analisar fatores dietéticos específicos de piora:
      • alimentos gordurosos;
      • frituras;
      • condimentados;
      • café;
      • bebidas alcoólicas. [cms-watermark]
    • história de intolerâncias alimentares. [cms-watermark]
  • Uso de medicações capazes ocasionar ou agravar a sintomatologia dispéptica (ex.: AINEs, Ácido acetilsalicílico);
  • Cofatores psicológicos e ambientais, especialmente uso abusivo de substâncias – tabagismo e etilismo;
  • Fatores de risco para carcinoma gástrico ou esofágico:
    • História pessoal de abuso de álcool e tabagismo;
    • Dieta rica em carnes industrializadas e processadas, alimentos em conserva enlatados/embutidos;
    • História prévia de infecção por H. pylori ;
    • Cirurgia prévia por úlcera gástrica;
    • Síndromes genéticas (câncer gástrico difuso hereditário, síndrome de Linch e polipose adenomatosa familiar).
    Sinais de alerta:
  • Ausência de melhora após tratamento com IBP e erradicação de H. pylori ;
  • Sangramento gastrointestinal;
  • Disfagia progressiva;
  • Odinofagia;
  • Perda de peso não intencional;
  • Vômitos persistentes;
  • Massa epigástrica;
  • Anemia ferropriva.

Exame Físico

O exame físico, que pode ser normal ou com dor à palpação de região epigástrica, é importante para afastar visceromegalias ou massas e tranquilizar o paciente no caso de não haver achados relevantes ao exame.

Na presença de sinais de alarme, afastar sinais clínicos que indiquem avaliação em cenário de urgência (ex.: possibilidade de abdome agudo perfurativo ou hipovolemia importante se vômitos ou sangramento gastrointestinal).

    Atentar às características principais para diagnóstico diferencial:
  • Doença do refluxo gastroesofágico: S intomas dispépticos típicos com dor em queimação epigástrica + pirose + regurgitação. Na presença desses sintomas, prosseguir com abordagem específica para essa causa;
  • Doença ulcerosa péptica: Se úlcera duodenal : sintomas dispépticos ocorrem principalmente no jejum ou entre 2-5 horas após as refeições e são aliviados pela alimentação ou fármacos antissecretórios e alcalinos. Se úlcera gástrica : sintomas dispépticos pioram com a alimentação e podem ser acompanhados de medo de comer, causando perda de peso;
  • Câncer gástrico: Os sintomas podem ser semelhantes aos descritos anteriormente, porém quase sempre acompanhados dos fatores de risco e/ou sinais de alarme identificados com anamnese e exame físico, conforme descrito no tópico "Apresentação Clínica";
  • Doenças biliares (colelitíase) : Dor abdominal intensa, aguda, pós-prandial, durando mais de 1 hora, localizada no quadrante superior direito ou epigástrio, podendo irradiar para a escápula ou estar associada a vômitos e sudorese profusa.

Diante do quadro de dispepsia, é importante avaliar, dentro do contexto geral dos sintomas, a idade do paciente (ver adiante a observação neste tópico) e a presença de sinais de alarme, descritos no tópico "Apresentação Clínica".

Paciente com idade ≥ 40 anos* e/ou presença de sinais de alarme: Indicar, de imediato, abordagem complementar com EDA pelo risco aumentado de alteração orgânica e/ou malignidade.

Investigação em caso de EDA normal ou paciente com idade < 40 anos* e sem sinais de alarme.

* Observação! A idade utilizada como limite para solicitar EDA pode variar de acordo com a referência, sendo 40 anos pelo IV Consenso Brasileiro para o HP, 55 anos pelos NHS Guidelines , Reino Unido, ou 60 anos pelo American College of Gastroenterology , EUA.

  • Se houver sintomas predominantemente típicos de doença de refluxo gastroesofágico – ver tópico "Diagnóstico Diferencial": Estratégia de tratamento clínico empírico com IBP , sem necessidade de testagem inicial para H. pylori e avaliar melhora em 1-2 meses:
    • Caso não haja melhora, dobrar a dose de IBP e reavaliar em mais 1-2 meses, quando, então, pode ser indicado testar e tratar para H. pylori se sintomas persistentes;
    • Somente para casos em que todos esses passos falharem está indicado prosseguir com EDA.
  • Para os demais casos , é recomendada a estratégia de testar e tratar para H. pylori:
    • Caso não haja melhora após erradicação ou se o teste for negativo, recomenda-se o tratamento com IBP +/- procinéticos +/- psicoterapia por 1-2 meses;
    • Considerar EDA somente em caso de persistência dos sintomas;
    • Na ausência de lesões orgânicas, o diagnóstico de dispepsia funcional deve ser considerado.

Para a estratégia de testar e tratar para H. pylori , recomendam-se os testes não invasivos, sendo o método de escolha a pesquisa de ureia respiratória (com mais altas sensibilidade e especificidade).

Outras opções: Teste de antígeno fecal para H. pylori ou s orologia para H. pylori (IgG) .

É recomendado não usar IBP por 2 semanas nem antibióticos por 4 semanas antes desses testes.

Orientar:

  • Mudança no estilo de vida;
  • Alimentação saudável;
  • Controle do peso;
  • Suspensão do tabagismo. [cms-watermark]

Evitar:

  • Tabaco;
  • Álcool;
  • Café;
  • Chocolate;
  • Alimentos gordurosos;
  • Frituras. [cms-watermark]

Suspender o uso de AINEs. [cms-watermark]

Solicitar EDA em caso de sinais de alerta ou de ausência de melhora após tratamento com IBP e erradicação de H. pylori. Ver tópico de "Abordagem Diagnóstica".

Lembrar que o tratamento com IBP (ex.: Omeprazol) não deve ser crônico e sempre merece ser reavaliado.

Atentar que é indicado o desmame de IBP ao final do tratamento, antes de sua suspensão, para evitar hipersecreção ácida de rebote, o que pode favorecer a recaída dos sintomas.

    Quando encaminhar: Em caso de sinais de alerta para malignidade, indicar a EDA (ver tópico "Apresentação Clínica").

Tratamento não farmacológico: Suspender o uso de AINEs e orientar controle do peso e evitar:

  • Tabaco;
  • Álcool;
  • Café;
  • Chocolate;
  • Alimentos gordurosos;
  • Frituras.
    Tratamento farmacológico:
  • Inibidores de bomba de prótons (IBPs) em dose plena: Omeprazol ( g eralmente disponível no SUS) 40 mg 1 comprimido/dia VO, em jejum, 30-60 minutos antes do café da manhã durante 1-2 meses:
    • A terapia com IBP é bastante individualizada em relação à dose e à resposta sintomática;
    • Ao longo do tratamento, pode ser necessário aumentar a dose do IBP até o seu dobro, com o objetivo de alcançar alívio total dos sintomas;
    • Caso se necessite realizar endoscopia digestiva após o uso de IBP, é preciso suspendê-lo 2 semanas antes da realização do exame;
    • O IBP pode ser substituído por antiácidos, Sucralfato e bloqueadores dos receptores H 2 da histamina para controle de sintomas em pacientes muito sintomáticos.

Erradicação do H. pylori : Para pacientes sem melhora após tratamento com IBP, dose plena e/ou dose dobrada, conforme já descrito, por 1-2 meses:

Tratamento tríplice de primeira linha:
I. IBP: Omeprazol (geralmente disponível no SUS) 20 mg VO 2x/dia por 14 dias.
+
II. Amoxicilina (geralmente disponível no SUS) 1.000 mg VO 2x/dia por 14 dias.
+
III. Claritromicina (geralmente disponível no SUS) 500 mg VO 2x/dia por 14 dias. [cms-watermark]

Para mais informações sobre as medidas terapêuticas, acesse Guia de Prescrição.

Autoria principal: Renato Bergallo (Medicina de Família e Comunidade).

    Revisão: [cms-watermark]
  • Jessica Coutinho (Medicina de Família e Comunidade e Medicina Paliativa); [cms-watermark]
  • Philipp Oliveira (Medicina de Família e Comunidade). [cms-watermark]

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