Definição: Infecção causada pela bactéria Neisseria meningitidis (meningococo), um diplococo gram-negativo que coloniza a nasofaringe em 5-20% das pessoas e pode gerar (1) doença disseminada, (2) meningite ou (3) doença localizada em diferentes sítios. Entretanto, quando ocorre a doença, ela é grave.
O meningococo é transmitido por gotículas respiratórias e adere-se às vias aéreas através da inalação de partículas contendo a bactéria. A partir daí, o microorganismo invade o tecido epitelial da mucosa da nasofaringe e penetra na corrente sanguínea, multiplicando-se rapidamente e causando sepse.
Sua lipoproteína (LPS) age como uma endotoxina, ativando o sistema de defesa do hospedeiro e gerando uma cascata inflamatória exacerbada, o que explica as manifestações clínicas da doença.
Meninges normais x meninges inflamadas
Epidemiologia:
A doença meningocócica é mais comum em menores de 1 ano de idade e em adolescentes. Os subtipos mais patogênicos e mais associados à doença são: A, B, C e W135.
Formas clínicas mais frequentes: Portador assintomático, meningite sem meningococcemia, meningite com meningococcemia e meningococcemia sem evidências de meningite.
Outras formas clínicas:
Pneumonia ou lesões focais acometendo só um órgão (ex.: miocardite, osteomielite, uretrite, meningococcemia crônica e outras).
Fatores de risco: Ser portador do meningococo na nasofaringe, aglomeração, contato íntimo com casos, doenças que cursam com deficiência do complemento, infecção por HIV, asplenia, história de doença prévia de vias aéreas superiores (em especial por influenza), nascimento prematuro, tabagismo (ativo ou passivo).
É assintomático e possui o meningococo na nasofaringe.
Suas manifestações decorrem de lesão microvascular com alteração vasomotora (vasodilatação e vasoconstrição), da coagulabilidade (coagulação intravascular disseminada), da permeabilidade vascular (aumento da permeabilidade com síndrome do extravasamento vascular) e da função miocárdica.
Meningococcemia aguda: Inicialmente, mimetiza doenças virais, ocorrendo faringite, febre, mialgia, fraqueza muscular, vômitos, diarreia, cefaleia e dor em membros inferiores com recusa para andar. Rash maculopapular fino pode ocorrer precocemente na infecção. Extremidades frias e anormalidade da cor da pele (palidez e/ou cianose) são achados precoces e relacionados à maior gravidade, podem auxiliar no diagnóstico diferencial com doenças virais simples.
Meningococcemia fulminante: Evolui, em poucas horas, de febre sem outros sinais de doença para rash petequial, púrpura com equimoses e necrose cutânea ( P urpura fulminans ), hipotensão, coagulação intravascular disseminada, hemorragia e insuficiência adrenal, insuficiência renal, distúrbio hidreletrolítico, falência miocárdica e coma. Pode ou não haver meningite associada.
Meningococcemia crônica: É rara, com duração média de 6 a 8 semanas, com febre, artralgia, cefaleia, rash maculopapular ou petequial e esplenomegalia. Pode ter resolução espontânea ou evoluir com meningite.
Cefaleia, fotofobia, letargia, vômitos, rigidez da nuca, outros sinais de irritação meníngea (sinal de Brudzinski e Kernig) e exantema maculopapular discreto. Sinais focais e crises convulsivas podem ocorrer, mas são menos comuns do que em outras causas de meningite bacteriana.
Diante de suspeita clínica, coletar, se possível e prioritariamente, hemocultura e cultura do liquor, mas a coleta de culturas não deve atrasar a antibioticoterapia , que deve ser iniciada idealmente na primeira hora da suspeita diagnóstica.
Exames laboratoriais de rotina: Hemoculturas, punção lombar (com cultura de liquor, coloração de Gram, citologia e bioquímica com glicorraquia e proteinorraquia, provas de aglutinação em látex), coloração de Gram e/ou cultura de lesões purpúricas, hemograma completo, EAS, VHS e PCR, glicemia, albumina sérica, eletrólitos séricos, ureia, creatinina, gasometria arterial com lactato e coagulograma.
Punção lombar: Encontram-se diplococos gram-negativos na coloração de Gram, com aumento na citologia e predomínio de polimorfonucleares, proteinorraquia alta (> 40 mg/dL) e glicorraquia baixa (< 2/3 glicemia).
Provas de aglutinação em látex: Podem ser úteis em situações de tratamento parcial, uma vez que as culturas podem ser negativas nesses casos. Contudo, não é confiável em meningite pelo sorogrupo B, uma vez que há reação cruzada com outras espécies bacterianas.
Hemograma completo: Apresenta leucocitose ou leucopenia, com predomínio de formas jovens, e trombocitopenia.
EAS: Proteinúria e hematúria.
VHS e PCR: Provas de atividade inflamatória encontram-se elevadas.
Albumina sérica e eletrólitos: Ocorre hipoalbuminemia, podendo haver queda de cálcio sérico.
Ureia e creatinina: Podem estar aumentadas em pacientes com insuficiência renal.
Gasometria arterial com lactato: Acidose metabólica com lactato aumentado.
Coagulograma: Alterações nas provas de coagulação em pacientes com CIVD.
Internação em CTI: Pacientes com suspeita de doença meningocócica (com ou sem meningite associada) devem ser internados em ambiente de terapia intensiva, para acompanhamento de sinais de choque e doença fulminante.
Antibioticoterapia empírica: Iniciar antibioticoterapia o mais precocemente possível, assim que houver suspeita da infecção. O tratamento empírico é com cefalosporina de terceira geração (Ceftriaxona 100 mg/kg/dia EV de 12/12 horas), podendo ser alterado conforme teste de sensibilidade realizado em culturas. O tratamento dura, em geral, de 5-7 dias.
Alergia a betalactâmicos: É possível usar nesses pacientes: Cloranfenicol 100 mg/kg/dia EV de 6/6 horas (em maiores de 8 anos), Ciprofloxacino 30-40 mg/kg/dia EV de 12/12 horas e Meropeném 120 mg/kg/dia EV de 8/8 horas.
Expansão volêmica: Os pacientes com choque séptico causado pelo meningococo devem ser tratados inicialmente com expansão volêmica com cristaloides (SF 0,9% ou Ringer lactato 20 mL/kg EV em 20 minutos, podendo ser repetido 3x).
Vasopressores, se necessário, em caso de choque refratário a volume: Noradrenalina em infusão contínua 0,05-0,2 micrograma/kg/minuto EV, em acesso venoso profundo.
Disfunção miocárdica refratária à reposição volêmica: Dobutamina 5-20 microgramas/kg/minuto EV em infusão contínua, em acesso venoso profundo.
Corticoides: Em casos de suspeita de insuficiência adrenal, iniciar Hidrocortisona 100 mg/m 2 /dia EV de 6/6 horas. Não se mostrou benefício do uso de Dexametasona para meningite por meningococo.
Em 2024, diversos estados nos EUAs passaram a desaconselhar o uso de Ciprofloxacino como profilaxia pós-exposição, uma vez que as taxas locais de
Neisseria meningitidis
resistentes a essa medicação ultrapassaram o limite recomendado pelo CDC para a sua utilização. Tendências semelhantes de aumento da resistência ao Ciprofloxacino também foram observadas em meningococos isolados em outros países.
Autoria principal: Dolores Silva (Pediatria pela UERJ).
Revisão:
Gabriela Guimarães Moreira Balbi (Pediatria pela UFPR e Reumatologia Infantil pela UNIFESP).
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