Definição: Uma das vasculites mais comuns da infância, que afeta principalmente as artérias de médio calibre, com predileção pelas coronárias. Sua etiologia é ainda desconhecida, mas sugere-se relação com gatilho infeccioso.
Há um intenso infiltrado inflamatório da parede vascular. Nos vasos mais intensamente afetados, a inflamação envolve as três camadas da parede vascular, destruindo a lâmina elástica interna. O vaso perde sua integridade estrutural e enfraquece, o que resulta em dilatação ou na formação de aneurisma. O processo inflamatório nas artérias pode durar de meses a anos após a fase aguda da doença, levando a estenoses arteriais progressivas.
Figura 1.
A doença de Kawasaki pode evoluir com aneurismas das artérias coronárias, exantema e miocardite.
Ilustração:
Rafael Guedes.
A doença ocorre predominantemente em crianças jovens, e 80% dos pacientes têm menos de 5 anos de idade. Adolescentes e adultos podem preencher os critérios para a síndrome do choque tóxico. Há predomínio do quadro no sexo masculino (razão 1,5:1).
Em geral, há febre alta (até 40°C), remitente e que não responde aos antibióticos; dura de 1-2 semanas quando sem tratamento, mas pode persistir por 3-4 semanas. A febre prolongada é um dos fatores de risco para o desenvolvimento da doença coronariana.
A descamação perineal é comum na fase aguda. Por sua vez, a descamação periungueal dos dedos das mãos e dos pés começa 1-3 semanas após o início da doença, podendo progredir e envolver toda a mão e o pé.
Outras características que podem estar presentes são: Irritabilidade extrema, meningite asséptica, diarreia, hepatite leve, hidropsia da vesícula biliar, uretrite com piúria estéril, otite média e artrite (em geral, limitada e afetando mãos, joelhos, tornozelos ou quadris).
Atenção! Sempre questionar quanto aos sintomas prévios, pois, muitas vezes, as alterações não ocorrem ao mesmo tempo e podem já ter se resolvido no momento do atendimento médico.
O envolvimento cardíaco é a manifestação mais importante da doença de Kawasaki. Raramente pode ocorrer miocardite, que se apresenta por taquicardia desproporcional à febre, e pericardite, com pequeno derrame pericárdico. Os aneurismas das artérias coronárias são as alterações mais frequentes e se desenvolvem em até 25% dos pacientes não tratados. Os aneurismas gigantes (≥ 8 mm de diâmetro interno) resultam em maior risco de ruptura, trombose, estenose e infarto do miocárdio.
Figura 2.
Manifestações clínicas.
Créditos:
Dong Soo Kim/Wikimedia commons
Achados que predizem evolução mais grave (formação de aneurismas coronários): Sexo masculino, idade inferior a 6 meses ou superior a 8 anos, febre persistente, hipoalbuminemia, anemia, leucocitose > 15.000/mm 3 , neutrófilos > 80%, trombocitopenia, provas de atividade inflamatória elevadas por período superior a um mês, PCR ≥ 10 mg/dL, TGO > 80 a 100 U/L e hiponatremia
Não há testes diagnósticos específicos, mas alguns achados laboratoriais são característicos.
Hemograma: Anemia normocítica e normocrômica é comum. Leucometria é normal ou elevada, com predominância de neutrófilos e formas imaturas. Plaquetas geralmente com contagem normal na 1ª semana, aumentando rapidamente por volta da 2ª-3ª semana de doença. Pode passar de 1.000.000/mm 3 .
Marcadores inflamatórios: Elevação de VHS, PCR e outros reagentes de fase aguda estão quase universalmente presentes na fase aguda, podendo persistir por 4-6 semanas. Valores de ferritina sérica podem estar elevados cinco vezes acima dos valores normais. Valores acima de 5.000 nanogramas/mL são vistos na síndrome de ativação macrofágica; uma das complicações mais graves da doença de Kawasaki. Atenção! Lembrar que o VHS pode se manter aumentado com o uso de imunoglobulina e não deve ser usado para avaliação evolutiva nesses casos.
Outras alterações laboratoriais: Piúria estéril, discreta elevação das enzimas hepáticas e pleocitose do liquor podem estar presentes.
Marcadores de autoimunidade: Anticorpos antinucleares e fator reumatoide são negativos.
Ecocardiograma bidimensional: É útil para detectar aneurisma de artérias coronarianas e deve ser feito por cardiologista pediátrico. Deve ser realizado no momento do diagnóstico e novamente após 1-2 semanas, e 4-6 semanas pós-tratamento. Caso não haja anormalidades nesse período, estudos adicionais de acompanhamento são opcionais quando a VHS estiver normalizada.
Se houver alteração no ecocardiograma, este deve ser realizado 2x/semana até que as dimensões luminais do aneurisma estejam estabilizadas e, em seguida, 1x/semana nos primeiros 45 dias de doença, e depois 1x/mês nos primeiros 3 meses de doença. Em última instância, na verdade, o acompanhamento será individualizado em caso de alterações.
O diagnóstico é feito na presença de sinais clínicos característicos. São necessários cinco dos seis critérios, sendo que a febre é um critério obrigatório.
Doença de Kawasaki incompleta:
Febre por 5 dias ou mais associada a dois ou três dos critérios clínicos para o diagnóstico da doença típica, desde que esses tenham dados laboratoriais compatíveis com doença inflamatória sistêmica, sem outra explicação para o quadro, ou lactentes com ≥ 7 dias de febre sem outras causas prováveis e com alterações de exames complementares compatíveis (mesmo na ausência de alterações típicas ao exame físico).
Para critérios diagnósticos de doença de Kawasaki, acesse o link correspondente.
Alguns critérios podem predizer mau prognóstico, e incluem:
Os critérios de Kobayashi são validados para a população japonesa e servem para avaliação do risco de resistência ou falha terapêutica com a imunoglobulina .
Podem ser utilizados em populações não japonesas, mas, nessas populações, apresentam baixa sensibilidade e especificidade.
Alguns trabalhos sugerem utilizar corticoide conjuntamente com a imunoglobulina em pacientes que apresentam pontuação maior ou igual a 5.
Corte:
≥ 4 no estudo original
e ≥ 5 em um estudo de validação externa.
Internação hospitalar: A criança com suspeita ou diagnóstico de doença de Kawasaki deve ser internada para observação, monitoramento cardíaco e tratamento de manifestações sistêmicas.
É importante o acompanhamento com ecocardiograma seriado, em virtude desta grave complicação:
Aneurisma de coronárias.
Fase aguda: Imunoglobulina humana (IVIG) 2 g/kg durante 8-12 horas + Ácido acetilsalicílico (AAS) 30-50 mg/kg/dia (dose anti-inflamatória).
A IVIG deve ser administrada preferencialmente nos primeiros 7-10 dias da doença, a fim de diminuir a prevalência de anormalidades das artérias coronárias e para abreviar a duração dos sintomas clínicos. Pode ser realizada após os 10 dias de início da doença em crianças que demonstrem manutenção da inflamação (pela avaliação dos marcadores inflamatórios) e anormalidades coronarianas ou manutenção de febre sem explicação.
Deve ser administrado AAS na dose anti-inflamatória, até que a criança permaneça afebril por pelo menos 48-72 horas.
Qual a associação entre dose de imunoglobulina intravenosa e desfechos em pacientes com doença de Kawasaki aguda?
Doença de Kawasaki resistente à IVIG:
Caracterizada por febre persistente ou recrudescente após 36 horas de infusão da dose de IVIG.
Algumas alternativas têm sido indicadas na literatura:
Atenção!
Após a administração da imunoglobulina, o VHS deixa de ser um parâmentro para acompanhamento da evolução do paciente. Como a IVIG tem uma alta carga de proteínas, ela eleva falsamente o VHS, sem relação com inflamação sistêmica, por aumento da viscosidade do sangue. É seguro dizer que essa interferência só deixa de existir após 28 dias, ou seja, o VHS não é adequado para seguimento clínico. Nesse caso, basear-se apenas no valor da PCR, que se normaliza cerca de 48-72 horas pós-infusão.
Fase de convalescença: Ácido acetilsalicílico 3-5 mg/kg (dose antiagregante plaquetário) VO de 24/24 horas, até que se comprove a ausência de anormalidades coronarianas, habitualmente entre 6-8 semanas de seguimento, além de apresentar normalização de provas de fase aguda e plaquetas.
Atenção! Cuidado com o uso de outros AINEs (como Ibuprofeno) concomitante ao tratamento com AAS, uma vez que reduzem a atividade antiplaquetária dessa medicação.
Para pacientes com aneurismas grandes ou gigantes (Z-score ≥10 ou diâmetro absoluto ≥8 mm), sugere-se o tratamento com AAS em baixa dose associada a um anticoagulante (anticoagulante oral direto ou antagonista de vitamina K). Caso a opção seja a varfarina, o INR deve ser mantido entre 2-3.
A heparina de baixo peso molecular (HBPM), como a enoxaparina, também pode ser utilizada; no entanto, por exigir aplicações injetáveis, é uma opção menos atrativa para terapia prolongada.
Caso o aneurisma de artéria coronária (CAA) diminua de tamanho, passando a ser classificado como pequeno ou médio, o uso de anticoagulante pode ser interrompido. Se o CAA evoluir para forma de tamanho médio, a estratégia terapêutica passa a ser o uso isolado de AAS ou a associação de dois antiplaquetários, como AAS e clopidogrel, substituindo a combinação de AAS com anticoagulante.
Trombose coronariana aguda: Tratamento fibrinolítico com ativador do plasminogênio tecidual, Estreptoquinase ou Uroquinase sob a supervisão de um cardiologista pediátrico.
A recomendação é que, neste caso, o atendimento seja presencial em um pronto-socorro.
Autoria principal: Dolores Silva (Pediatria pela UERJ).
Revisão:
Gabriela Guimarães Moreira Balbi (Pediatria pela UFPR e Reumatologia Infantil pela UNIFESP).
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