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Epilepsia em Pediatria

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Definição: Distúrbio cerebral crônico caracterizado por crises epilépticas recorrentes. Crise epiléptica é a expressão clínica referente a descargas cerebrais excessivas, anormais e sincrônicas de neurônios do córtex cerebral.

Anamnese

    Na história clínica, questionar sobre: [cms-watermark]
  • Episódios anteriores; [cms-watermark]
  • Uso de medicações; [cms-watermark]
  • História familiar; [cms-watermark]
  • Trauma recente; [cms-watermark]
  • Alterações do sistema nervoso central (SNC);
  • Intoxicação exógena; [cms-watermark]
  • Doença de base; [cms-watermark]
  • Febre;
  • Náuseas;
  • Desmaios;
  • Vômitos. [cms-watermark]

Buscar caracterizar com o responsável, o mais detalhadamente possível, como se instalaram e evoluíram as crises. As crises são comumente referidas como clínicas, sutis ou subclínicas (alteração no eletroencefalograma sem manifestações clínicas).

    Atualmente, as crises epilépticas são subdivididas em quatro subgrupos, de acordo com a classificação da International League Against Epilepsy [cms-watermark] (ILAE):
  • Focais (ou parciais) com ou sem prejuízo do nível de consciência;
  • Generalizadas (alteração da consciência com manifestações clínicas bilaterais ou crise de ausência);
  • Desconhecidas (ex.: espasmos);
  • Não classificadas.
    O paciente recebe diagnóstico de epilepsia se apresentar quaisquer dos seguintes pontos:
  • Duas crises epilépticas não provocadas com intervalo [cms-watermark] de pelo menos 24 horas;
  • Uma crise não provocada, porém com probabilidade de recorrência semelhante ao que se tem após duas crises não provocadas (item anterior), ocorrendo nos 10 anos subsequentes (ex.: lesões pós-trauma, pós-AVE, pós-infecciosas, entre outras);
  • Diagnóstico de síndrome epiléptica.

Principais Tipos de Crises Epilépticas

    Crises focais:
  • Motoras: Atividades motoras focais, como movimentos oculares, de cabeça, de tronco, vocalização, entre outros;
  • Sensitivas: Parestesias, sintomas gustativos, olfativos, auditivos, visuais, entre outros;
  • Autonômicas: Sudorese, piloereção, alterações pupilares, sensações, entre outros;
  • Crises focais sem alteração da consciência: Disfasia, alucinações, ilusões, déjà-vu, entre outras sintomatologias corticais;
  • Crises focais com alteração da consciência: Pode haver automatismos motores (movimentos repetitivos como mastigar, engolir, sugar), movimentos complexos como chutar, pedalar, correr, pular, entre outros.
    Crises generalizadas:
  • Crise de ausência: Perda da consciência súbita, com olhar vago, sem responder às solicitações nem a estímulos. Ocasionalmente podem ocorrer movimentos palpebrais, contrações perilabiais, pequenas oscilações rítmicas da cabeça e movimentos mastigatórios. Dura pouco tempo – em geral, segundos – e o paciente retoma suas atividades normalmente;
  • Crise tônico-clônica generalizada: Perda súbita da consciência e queda ao solo. Ocorre espasmo muscular generalizado com trismo da musculatura mastigatória. Em um segundo momento, ocorre relaxamento muscular, surgindo abalos clônicos generalizados, rítmicos e de grande amplitude, com duração em torno de 3minutos, podendo ocorrer liberação esfincteriana. Passada a crise, há um momento de relaxamento pós-ictal associado a sonolência, vômitos e sensação de fadiga;
  • Crises mioclônicas: Não há perda da consciência. Ocorrem abalos mioclônicos, abruptos, rápidos e repetitivos, de predomínio nos membros superiores. Geralmente ocorrem pela manhã, ao despertar;
  • Crises atônicas ou acinéticas: São mais raras. Perda súbita do tônus dos músculos posturais, levando à queda ao solo com rápida recuperação. Não ocorrem abalos convulsivos e sintomas pós-crise.

Espasmos: Dos músculos do pescoço, do tronco e das extremidades. Não é possível identificar de que forma os espasmos se iniciam, logo não podem ser classificados em focais ou generalizadas.

Exame Físico

    Avaliar cuidadosamente, entre outros sinais: [cms-watermark]
  • Irritação meníngea (rigidez de nuca e sinais de Kernig e Brudzinski); [cms-watermark]
  • Hipertensão intracraniana; [cms-watermark]
  • Lesões de pele; [cms-watermark]
  • Sinais sugestivos de maus-tratos (TCE). [cms-watermark]
    Solicitar os exames conforme o caso e a situação clínica específica:
  • Glicemia capilar;
  • Eletrólitos;
  • Gasometria;
  • Funções renal e hepática;
  • Hemograma completo;
  • Hemocultura;
  • PCR em caso de sinais de infecção.
    Principais exames complementares:
  • Liquor: Considerar nos casos de crises prolongadas com demora de recuperação da consciência, mau estado geral, presença de sinais meníngeos e/ou outros sinais de infecção. No caso de hipertensão intracraniana evidente ou alteração focal, a realização de uma tomografia computadorizada (TC) de crânio deve preceder a punção lombar. O liquor deve ser realizado nos casos sem etiologia aparente em crianças até os 18 meses;
  • TC de crânio: Solicitar se houver sinais focais, suspeita de trauma ou antes de punção liquórica, caso haja suspeita de hipertensão intracraniana;
  • Eletroencefalograma (EEG): Solicitar se o paciente mantiver alteração de consciência após controle das crises. É essencial para caracterizar o tipo de crise epiléptica, embora possa estar normal no período intercrise. Todas as crianças com crises repetidas devem realizar EEG em vigília e durante o sono;
  • Ressonância nuclear magnética (RNM) de crânio: Deve ser realizada sempre que houver alterações no exame neurológico, crises refratárias ao tratamento, sinais sugestivos de processo tumoral ou em caso de crianças com menos de 2 anos.
    Agudas: Entre outras causas:
  • Infecções do SNC; [cms-watermark]
  • AVE; [cms-watermark]
  • Trauma; [cms-watermark]
  • Distúrbios metabólicos; [cms-watermark]
  • Intoxicação; [cms-watermark]
  • Retirada abrupta de medicação antiepiléptica.
    Crônicas: Entre outras causas:
  • Alterações genéticas; [cms-watermark]
  • Esclerose hipocampal; [cms-watermark]
  • Malformações do SNC; [cms-watermark]
  • Sequelas (trauma, infecções, hipóxia etc.); [cms-watermark]
  • Erros inatos do metabolismo. [cms-watermark]

O acompanhamento, em geral, depende do tipo e da gravidade das crises.

Normalmente, é feito com auxílio de um neuropediatra, e a criança inicia as medicações de controle tão logo o diagnóstico seja estabelecido.

    De maneira geral:
  • Manter via respiratória pérvia;
  • Manter oxigenação adequada;
  • Acesso venoso;
  • Controlar a crise clinicamente (observação ou medicação).

Todas as crises convulsivas devem ser tratadas? A resposta é não. A decisão sobre o tratamento medicamentoso leva em consideração alguns dados, como os descritos a seguir.

    Primeira crise não provocada:
  • Risco de recorrência (alteração neurológica prévia, achados significativos na RM, EGG alterado);
  • Magnitude da redução do risco esperada com a terapia anticonvulsivante (os dados disponíveis não mostram diferença no prognóstico em longo prazo; iniciar medicação após a primeira crise não confere benefício adicional no controle em longo prazo da epilepsia);
  • Riscos de não tratar (surgimento de nova crise, com risco de danos psicológicos e restrições ou estabelecimento de estado de mal epiléptico);
  • Riscos do tratamento contínuo com medicações antiepilépticas (piora do desempenho escolar, alterações do comportamento, alergia e toxicidade);
  • Custos com medicação e exames para farmacovigilância.
    Segunda crise:
  • Pelo risco elevado de recorrência, indica-se tratamento medicamento para esses casos.
    Benzodiazepínicos EV são os fármacos de escolha para abortar a crise:
  • Diazepam: 0,2-0,3 mg/kg EV; máximo de 10 mg. Doses adicionais podem ser administradas se as crises persistirem por 5 minutos;
  • Fenitoína: 15-20 mg/kg EV, se crise > 10 a 15 minutos. A medicação demora cerca de 10 minutos para iniciar sua ação, portanto é imprescindível utilizar fármacos de ação rápida inicialmente (benzodiazepínicos). Taxa de infusão de 1 mg/kg/minuto (máximo de 50 mg/minuto);
  • Fenobarbital: 10-20 mg/kg EV; repetir com dose de 10 mg/kg após 10 minutos se a crise persistir. Utilizado se benzodiazepínicos e Fenitoína não forem eficazes (crises com mais de 20 minutos) ou no caso de crises neonatais. Taxa de infusão de, no máximo, 2 mg/kg/minuto até 50 mg/minuto.
    Caso não seja possível acesso venoso imediato:
  • Diazepam retal: 0,5 mg/kg; máximo de 20 mg;
  • Midazolam nasal ou bucal (entre a gengiva e a bochecha, área da mucosa jugal): 0,2 mg/kg/dose; máximo de 10 mg. Repetir a cada 10 minutos por até 3 vezes;
  • Midazolam IM : 0,2 mg/kg/dose, repetir a cada 10 a 15 minutos; dose máxima de 6 mg;
  • Midazolam retal : 0,25 a 0,5 mg/kg 1 vez.
    Duas ou mais crises convulsivas com intervalo > 24 horas (epilepsia):
  • Observação hospitalar;
  • TC de crânio (se não houver necessidade de TC na urgência, realizar RM logo que possível) e EEG;
  • Tratamento profilático: Carbamazepina (escolha para crises focais; no caso das generalizadas, não usar para crises de ausência):
    • < 6 anos: Dose inicial de 10 a 20 mg/dia divididos a cada 6-8 horas, aumentando a dose semanalmente até níveis terapêuticos; máximo de 35 mg/kg/dia;
    • 6 a 12 anos: 100 mg de 12/12 horas ou 50 mg de 6/6 horas (se suspensão oral), aumentando 100 mg semanalmente. A dose de manutenção é de cerca de 400-800 mg/dia. Máxima dose diária: 1.000 mg/dia;
    • > 12 anos: 200 mg de 12/12 horas ou 100 mg de 6/6 horas (se suspensão oral); aumentar 200 mg a cada semana até níveis terapêuticos (cerca de 800-1.200 mg/dia). Dose máxima diária para ≤ 15 anos: 1.000 mg/dia; > 15 anos: 1.500 mg/dia;
  • Tratamento profilático: Ácido valproico (crises generalizadas, mioclônicas ou indeterminadas):
    • Crises focais sem alteração da consciência: 10 a 15 mg/kg/dia divididos de 8/8 ou 12/12 horas;
    • Crises de ausência: 15 mg/kg/dia divididos em 3 doses diárias;
    • A dose do Àcido valproico pode ser aumentada em 5 a 10 mg/kg/dia em intervalos semanais conforme a necessidade;
  • Tratamento profilático: Fenobarbital 3 a 6 mg/kg/dia VO em 2 a 3 doses/dia.
    Duas ou mais crises com intervalo de horas:
  • Observação hospitalar;
  • TC e EEG;
  • Fenitoína: 15-20 mg/kg EV; na alta, 4 a 8 mg/kg/dia VO divididos de 12/12 horas;
  • Fenobarbital VO/EV:
    • ≤ 5 anos: 3 a 5 mg/kg/dia em 1 a 2 doses;
    • > 5 anos: 2 a 3 mg/kg/dia em 1 a 2 doses;
    • Adolescentes: 1 a 3 mg/kg/dia em 1 a 2 doses;
    • Na alta, 3 a 6 mg/kg/dia em 2 a 3 doses diárias;
  • Para menores de 2 anos, preferir Fenobarbital e, na alta, Fenitoína.

Outras medicações comumente utilizadas para tratamento profilático: Levetiracetam, Lamotrigina, Etossuximida, entre outros. O Canabidiol é uma opção que pode ser considerada atualmente em caso de pacientes refratários.

    Estado de mal epilético:
  • Iniciar benzodiazepínicos :
    • Diazepam: 0,2-0,3 mg/kg EV (máximo de 10 mg), podendo ser repetido a cada 5 minutos, se necessário;
    • Midazolam: 0,2 mg/kg EV (máximo de 10 mg) seguido de infusão EV contínua de 0,05 a 2 mg/kg/hora (0,83 a 3,33 microgramas/kg/minuto). Se paciente apresentar crise durante a infusão, parar, fazer um bólus de 0,1 a 0,2 mg/kg e aumentar a taxa de infusão em 0,05 a 1 mg/kg/hora (0,83 a 1,66 micrograma/kg/minuto) a cada 3-4 horas;
  • Caso não cesse em 10 a 30 min:
    • Fenitoína de ataque: 15-20 mg/kg EV (máximo de 50 mg/dose); manter 5 a 10 mg/kg/dia EV ou VO de 8/8 horas ( manutenção: início de 6 a 8 horas após o ataque);
    • Fenobarbital EV: Dose de ataque : 15 a 20 mg/kg (máximo de 1.000 mg); se necessário, pode ser repetido a cada 10 a 15 minutos com uma dose total máxima de 40 mg/kg. Dose de manutenção EV (iniciada após 12 horas da dose de ataque): ≤ 5 anos – 3 a 5 mg/kg/dia em 1 a 2 doses; > 5 anos – 2 a 3 mg/kg/dia em 1 a 2 doses; adolescentes – 1 a 3 mg/kg/dia em 1 a 2 doses; na alta – 3 a 6 mg/kg/dia em 2 a 3 doses diárias;
    • Ácido valproico: Dose de ataque de 20 a 40 mg/kg EV; pode ser repetido após 10 a 15 minutos. Dose de manutenção : 5 a 10 mg/kg/dose EV de 12/12 horas.
    Estado de mal epiléptico (refratário):
  • Definido pelo não controle com dois ou três medicamentos iniciais em doses otimizadas (benzodiazepínicos, Fenitoína e/ou Fenobarbital);
  • Nessa situação, usar uma das seguintes opções: Midazolam contínuo, Tiopental, Propofol, coma barbitúrico ou Topiramato. Lembrar-se da deficiência de piridoxina como causa de crise refratária.

Autoria principal: Alexandre Galvão (Pediatria).

    Revisão:
  • Dolores Silva (Pediatria pela UERJ);
  • Fabiana Barreto Goulart Déléage (Pediatria pela SMS/RJ e SBP e Medicina de Adolescentes pela UERJ);
  • Gabriela Guimarães Moreira Balbi (Pediatria pela UFPR e Reumatologia Pediátrica pela UNIFESP/EPM).

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