O herpes genital é uma infecção crônica associada ao herpes-vírus simples (HSV) tipos 1 e 2, sendo o tipo 1 mais frequente nas lesões orais e o tipo 2, nas lesões genitais, embora ambos possam causar as lesões genitais. O HSV-1 tem sido observado com mais frequência na genitália devido à diminuição da prevalência de HSV-1 orolabial na população adulta jovem e ao aumento da frequência de sexo oral.
O HSV tipos 1 e 2 pertencem à família Herpesviridae e são DNA-vírus que variam quanto à composição química, podendo ser diferenciados por técnicas imunológicas.
Embora os HSV-1 e HSV-2 sejam capazes de provocar lesões em qualquer parte do corpo, há um tropismo maior na região genital pelo HSV-2 e nas membranas mucosas e pele orolabial pelo HSV-1.
Após a primoinfecção genital, o HSV ascende pelos nervos periféricos sensoriais, penetra nos núcleos das células dos gânglios sensitivos e entra em um estado de latência. O vírus penetra nas terminações dos nervos sensoriais e é transportado de modo retrógrado pelo axônio para as raízes dos gânglios dorsais, ficando potencialmente latente por toda a vida.
A ocorrência de infecção do gânglio sensitivo não é reduzida por alguma medida terapêutica. Episódios de recorrência são mais frequentes entre pacientes que apresentam primoinfecção por HSV-2 do que por HSV-1.
Os mecanismos imunológicos controlam a latência e a reativação. Esta última ocorre de maneira espontânea em virtude de diferentes gatilhos, resultando no transporte anterógrado de partículas/proteínas do vírus para a superfície, onde irão se disseminar, formando ou não lesões.
Quadro clínico: As manifestações clínicas da infecção pelo HSV podem ser divididas em primoinfecção herpética (período médio de incubação de 6 dias) e surtos recidivantes.
Em geral, sintomas prodrômicos sistêmicos (cefaleia, mal-estar e febre) e locais (parestesia, prurido, ardência) podem preceder o surgimento das lesões. Inicialmente, as lesões apresentam-se eritematopapulosas de 2-4 mm de diâmetro, com rápida evolução para vesículas sobre base eritematosa, muito dolorosas e de localização variável na região genital, com conteúdo citrino, raramente turvo. As vesículas se rompem e a lesão adquire a forma de uma úlcera rasa ( Figura 1 ).
Figura 1.
Paciente de 62 anos transplantada renal em uso de imunossupressores com recidiva de lesão herpética em região perineal à esquerda.
Crédito:
Dra. Caroline Oliveira - Rio de Janeiro/RJ
As vesículas têm duração de aproximadamente uma semana, e as lesões evoluem para úlceras coalescentes, tornando-se crostas. A linfadenomegalia inguinal bilateral
dolorosa pode estar presente. As vesículas são dolorosas e eventualmente são acompanhadas de disúria e/ou aumento da frequência urinária. Em casos de primoinfecção, essa fase tende a ser mais longa (
Figura 2
).
Figura 2.
Paciente de 22 anos diabética tipo 1 com primoinfecção herpética.
Crédito:
Dra. Caroline Oliveira - Rio de Janeiro/RJ
O vírus se dissemina na fase de vesícula e úlcera, no entanto também é possível haver excreção viral e contaminação por intermédio de pessoas assintomáticas. A dor persiste, em geral, por 7-10 dias.
A cicatrização da lesão requer, em média, 2-3 semanas sem tratamento, sendo comum haver recorrência após infecção por HSV-2.
Quando há acometimento do colo do útero, é comum o corrimento vaginal aquoso abundante. Para mais informações, acesse Corrimento Vaginal.
Em homens, o acometimento da uretra pode provocar corrimento e raramente é acompanhado de lesões extragenitais. O quadro pode ter duração de 15-21 dias.
Nas recorrências, o quadro clínico é menos intenso que o observado na primoinfecção e pode haver sintomas prodrômicos, como prurido leve ou sensação de “queimação”, mialgias e “fisgadas” nas pernas, quadris e região anogenital. A recorrência tende a apresentar a mesma localização da lesão inicial, geralmente em zonas inervadas pelos nervos sensitivos sacrais. As lesões podem ser cutâneas e/ou mucosas (
Figura 3
).
Figura 3.
Paciente de 30 anos com recidiva de lesão herpética em região supraclitoriana.
Crédito:
Dra. Caroline Oliveira - Rio de Janeiro/RJ
É incomum a visualização das vesículas nas mucosas. Os surtos se tornam menos intensos e menos frequentes com o tempo.
Observação! As gestantes portadoras de herpes simples apresentam risco elevado de complicações fetais e neonatais, especialmente no final da gestação. O maior risco de transmissão congênita do vírus ocorre no momento da passagem do feto pelo canal de parto. Recomenda-se a cesariana sempre que houver lesões herpéticas ativas. Para mais informações, acesse Herpes Genital na Gestação.
Nos pacientes com imunodepressão, podem ocorrer manifestações atípicas, com grandes lesões ulceradas ou hipertróficas que se cronificam na ausência de tratamento adequado prolongado.
A infecção pelo HSV-2 aumenta em três vezes o risco de aquisição do vírus da imunodeficiência humana (HIV).
O diagnóstico presuntivo é feito com base nos aspectos clinicoepidemiológicos.
O diagnóstico pode ser feito com cultura tecidual, porém, se negativa, não significa que não há lesão herpética, uma vez que o teste tem alta especificidade e baixa sensibilidade. O exame de reação em cadeia da polimerase (PCR)
colhido de material do fundo da lesão tem maiores especificidade e sensibilidade (em torno de 95%) quando em comparação com a cultura, sendo uma opção caso a cultura seja negativa e em cenários em que o teste se encontra disponível.
Os testes sorológicos tipo-específicos para glicoproteína-G disponíveis, para detectar anticorpos específicos para HSV-1 e HSV-2 , apresentam alta sensibilidade, sendo mais uma ferramenta para auxiliar no diagnóstico. Resultados falso negativos podem ocorrer em fases iniciais da infecção, caso em que o teste deve ser repetido após 12 semanas pelo menos (pode levar até 6 meses para haver soroconversão). A IgM pode ficar positiva em pacientes com herpes oral ou em recorrências e durar meses, portanto seu uso não é recomendado para diagnóstico.
Pode-se também realizar um esfregaço da lesão para estudo citológico, entretanto a identificação de células de Tzanck (células gigantes multinucleadas) é um teste com baixas sensibilidade e especificidade.
Na presença de úlcera genital cuja provável causa é uma IST, sem disponibilidade de laboratório, a história e/ou a evidência de lesões vesiculares dolorosas indicam o tratamento para herpes genital.
O tratamento é ineficaz em relação à cura, portanto o objetivo é reduzir a duração e a intensidade dos surtos. Idealmente, deve ser iniciado dentro das primeiras 24 horas de surgimento dos sintomas.
O aparecimento das lesões frequentemente está relacionado com aspectos emocionais, que podem ser abordados adequadamente utilizando-se o Método Clínico Centrado na Pessoa.
O tratamento é, na maioria dos casos, ambulatorial com
Aciclovir
,
Fanciclovir
ou
Valaciclovir
, conforme a prescrição. O Ministério da Saúde recomenda tratamento unicamente com
Aciclovir
. A eficácia dos outros antivirais em comparação com o Aciclovir é a mesma, mudando apenas a biodisponibilidade, o que possibilita que sejam administrados em menos tomadas que o Aciclovir.
Autoria principal: Camilla Luna (Ginecologia e Obstetrícia, especialista em Reprodução Humana).
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